São Paulo, terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
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DEU NA MÍDIA

Haiti, o terremoto e o martírio de uma nação

ROBERTO CANDELORI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Não bastassem três décadas de ditadura dos Duvalier, a decepção com o governo de Bertrand Aristide ou o posto de nação mais pobre da América, o Haiti comprova que a realidade pode ser ainda mais sinistra, como foi em 12 de janeiro. Um terremoto de 7 graus na escala Richter colocou no chão a capital Porto Príncipe. Estima-se que tenham morrido mais de 200 mil pessoas, entre elas uma brasileira ilustre, a médica Zilda Arns, fundadora da Pastoral da Criança. Movidos pelos ideais da Revolução Francesa (1789), os escravos haitianos proclamaram a primeira república negra independente no mundo moderno em 1804. Liderados pelo ex-escravo Toussaint L'Overture, deram início ao movimento que culminou com a independência -aliás, só reconhecida por Paris em 1838, mediante pagamento de uma pesada indenização. Após a independência, o Haiti teve uma trajetória marcada por crises políticas. Por volta de 1915, alegando quebra de compromissos, os EUA ocuparam o país e, embora tenham se retirado oficialmente em 1934, jamais deixaram de interferir na nação caribenha. No século 20, com o aval dos EUA, assumiu o comando do Haiti o médico François Duvalier, o Papa Doc, eleito em 1957. Em 1964, ele se autoproclamou presidente vitalício, implantando uma ditadura. Sua base de apoio eram os "tontons macoutes", milícia armada que reprimia com violência qualquer oposição ao regime. Após sua morte, em 1971, assumiu seu filho, Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc, com apenas 19 anos. Denunciado por violação aos direitos humanos, foi deposto em 1986 e asilou-se em Paris. Com o fim da ditadura, renascem as esperanças agora depositadas no padre Jean-Bertrand Aristide, eleito presidente em 1990. Com um programa baseado na luta contra a corrupção, Aristide não resistiu e foi deposto em 1991, por um golpe. Com a intervenção dos EUA, foi reconduzido ao poder em 1993 e concluiu seu mandato. Novamente eleito em 2000, Aristide foi incapaz de contornar a crise e, agora pressionado pelos EUA, renunciou. Deixou o país em 2004 à beira de uma guerra civil. De pronto, a ONU decidiu enviar uma força internacional para restabelecer a ordem, a Minustah (Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti), sob o comando do Brasil. Com muito trabalho, o país vinha sendo reconstruído. Mas todo esse esforço ruiu com o terremoto que soterrou não só a incipiente estrutura do Estado haitiano mas o sonho de liberdade dos herdeiros de L'Overture.


ROBERTO CANDELORI é professor do colégio Móbile. rcandelori uol.com.br



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