São Paulo, quinta-feira, 23 de maio de 2002
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CONTRA

Problema de escolarização surge no ensino básico

EUNICE R. DURHAM
ESPECIAL PARA A FOLHA

Lamento que, no Brasil, tenhamos nos encaminhado no sentido de imitar os Estados Unidos na questão das cotas "raciais", quando eles já reconheceram os resultados discutíveis dessas iniciativas, as quais, além do mais, não levam em consideração as diferenças entre a realidade americana e a brasileira.
O Brasil sempre teve o bom senso de evitar o destrutivo caminho seguido pelos Estados Unidos e pela África do Sul, que consistiu em oficializar uma rígida separação preexistente entre brancos e pretos, forçando que cada um optasse por uma ou outra condição: quem não é branco é negro. Entre nós, há de fato muito poucos negros e poucos brancos puros. A imensa maioria da população é mestiça, e o nosso caminho para enfrentar a discriminação consiste em reconhecer essa realidade e valorizar a mestiçagem.
Filhos de brancos e negros não são nem brancos nem negros, e mulatos abrangem uma população muito diferenciada em termos de presença de traços negróides. Como estabelecer o critério de classificação? Um mulato claro que se classificou como negro para entrar na faculdade terá de manter essa classificação quando procurar um emprego ou se casar? E os filhos de uma mesma mãe, alguns dos quais são muito claros e outros mais escuros serão separados em termos de raça?
Não há discriminação por cor nos exames vestibulares das escolas públicas. O pequeno número de negros que ingressa nas universidades se deve a um problema anterior de escolarização. Precisamos atacar o problema no nível no qual ele é criado, que é no ensino público básico.
Cabem sem dúvida ações afirmativas de compensação de discriminações anteriores. A sociedade civil brasileira já havia encontrado uma solução mais condizente com a nossa cultura: os cursos de suplementação escolar para vítimas de discriminação, de forma a que elas pudessem competir no vestibular em igualdade de condição com os demais estudantes e não só entrar na universidade mas ser bem-sucedidas nos estudos. O que faz sentido é ampliar iniciativas governamentais ou das próprias universidades nessa direção, assim como apoiar financeira e pedagogicamente ONGs que realizam essa tarefa.


Eunice R. Durham é pesquisadora sênior do Nupes (Núcleo de Pesquisa sobre Ensino Superior da USP). Foi membro do Conselho Nacional de Educação (1997-2001).


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