São Paulo, quinta-feira, 23 de maio de 2002
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A FAVOR

Cotas para promover a igualdade

EDNA ROLAND
ESPECIAL PARA A FOLHA

Mais de 200 anos depois da Revolução Francesa, a idéia da igualdade continua a ser revolucionária, especialmente quando se trata de medidas concretas para realizá-la. Não chega a surpreender que as cotas para negros nas universidades venham causando tanta celeuma. Vejamos alguns argumentos utilizados:
1) Cotas para negros combatem uma injustiça com outra, pois suspendem o sistema de mérito do candidato.
O primeiro equívoco desse argumento é considerar que o atual vestibular tenha a capacidade de medir o "mérito do candidato". O que o vestibular mede é principalmente a qualidade do ensino oferecido aos candidatos e as suas condições de estudo e de vida. O vestibular mede principalmente o mérito do sistema escolar, das condições sociais e a desigualdade de oportunidades.
Todavia a proposta de cotas não abole a competição. O sistema de cotas estabelece que a competição deve se dar entre candidatos com igualdade de condições para que se possa medir o mérito dos estudantes, e não a diferença de oportunidades.
2) Cotas para negros são discriminatórias e ofensivas, pois os negros também são capazes e não precisam disso.
Os proponentes das cotas não têm nenhuma dúvida da capacidade dos negros e têm certeza de que o pequeno número de negros nas universidades deve-se não à incapacidade, mas às barreiras sociais concretas, que não são removidas espontaneamente. Em mais de cem anos no Brasil, temos menos negros na universidade do que na África do Sul sob o apartheid. Para acelerar o processo, são necessárias medidas especiais já previstas na Convenção Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, ratificada pelo Brasil desde 1968.
3) Como definir quem é negro no Brasil?
Exatamente como o IBGE faz: perguntando aos sujeitos.
4) As cotas vão resultar num rebaixamento dos padrões da universidade brasileira.
Pelo contrário, as cotas vão resultar num enriquecimento da universidade, que terá a oportunidade de conviver com a diversidade cultural e a criatividade de parcela significativa do povo brasileiro. Eventuais falhas de formação acadêmica deverão ser superadas com programas de acompanhamento. Ou será que os oponentes das cotas acreditam que os negros sejam cronicamente inviáveis?


Edna Roland é psicóloga, doutoranda do Programa de Psicologia Social da PUC-SP, presidente da Fala preta! Organização de Mulheres Negras e foi relatora-geral da 3ª Conferência Mundial contra o Racismo


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