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PORTUGUÊS
É possível fazer afirmações por meio de negações
THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Pode parecer contraditório, mas
é possível afirmar por meio da
negação. Existe uma figura de estilo, chamada lítotes, por meio da
qual se afirma alguma coisa negando o seu contrário.
Em geral, embora não necessariamente, é empregada como forma de atenuar uma afirmação de
caráter indelicado. Parece menos
ofensivo dizer de uma mulher que
não é bonita do que dizer que é
feia. Afirmar que Fulano não é
dos mais inteligentes parece ofender menos que chamá-lo de estulto ou de imbecil. Nesses casos,
empregou-se a lítotes com o intuito de evitar termos grosseiros, ou
seja, com certo valor eufemístico.
A idéia de abrandamento da expressão é associada ao eufemismo, mas nem por isso devemos
confundir os dois recursos estilísticos. Nos exemplos anteriores,
ocorre uma superposição das figuras, mas a lítotes caracteriza-se
pela estrutura sintática de negação, o que não é elemento caracterizador do eufemismo. Este se define pela substituição de um termo por uma expressão de significado mais suave.
Numa frase como "Ela não é nada tola!", foi usada a lítotes, mas
não ocorreu eufemismo. Quase se
poderia dizer que houve hipérbole (exagero), dado o efeito de ênfase produzido pela negação. Nesse
caso, é a hipérbole (não o eufemismo) que se superpõe à lítotes.
Outra figura que se constrói
com a estrutura negativa é a preterição, artifício retórico que consiste em tratar de um assunto ao
mesmo tempo que se diz que não
se vai fazê-lo. Associado à ironia,
pode soar um pouco cínico em
uma situação como: "Não vou
perguntar-lhe se já nasceu tonto
porque sou muito educado".
A preterição faz a alegria de políticos em contendas públicas.
Não é difícil ouvirmos algum deles a atacar o outro com frases do
tipo: "Não vou acusá-lo de ladrão,
mas eu gostaria de saber onde foram parar as verbas destinadas à
educação que deixaram de ser investidas durante o seu mandato".
Com a preterição, o orador afasta
as possíveis objeções, pois, de certa maneira, desarma o adversário.
A figura pode, todavia, ser usada
também com intuito eufemístico:
"Procurava administrar a minha
relação na casa onde estava hospedado. Não vou dizer que o inglês é um povo difícil porque soa
ingênuo: qualquer povo é difícil
quando tem estranhos em casa".
Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da
Folha. E-mail:
tnicoleti@folhasp.com.br
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