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      São Paulo, quinta-feira, 23 de outubro de 2003
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PORTUGUÊS

É possível fazer afirmações por meio de negações

THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Pode parecer contraditório, mas é possível afirmar por meio da negação. Existe uma figura de estilo, chamada lítotes, por meio da qual se afirma alguma coisa negando o seu contrário.
Em geral, embora não necessariamente, é empregada como forma de atenuar uma afirmação de caráter indelicado. Parece menos ofensivo dizer de uma mulher que não é bonita do que dizer que é feia. Afirmar que Fulano não é dos mais inteligentes parece ofender menos que chamá-lo de estulto ou de imbecil. Nesses casos, empregou-se a lítotes com o intuito de evitar termos grosseiros, ou seja, com certo valor eufemístico.
A idéia de abrandamento da expressão é associada ao eufemismo, mas nem por isso devemos confundir os dois recursos estilísticos. Nos exemplos anteriores, ocorre uma superposição das figuras, mas a lítotes caracteriza-se pela estrutura sintática de negação, o que não é elemento caracterizador do eufemismo. Este se define pela substituição de um termo por uma expressão de significado mais suave.
Numa frase como "Ela não é nada tola!", foi usada a lítotes, mas não ocorreu eufemismo. Quase se poderia dizer que houve hipérbole (exagero), dado o efeito de ênfase produzido pela negação. Nesse caso, é a hipérbole (não o eufemismo) que se superpõe à lítotes.
Outra figura que se constrói com a estrutura negativa é a preterição, artifício retórico que consiste em tratar de um assunto ao mesmo tempo que se diz que não se vai fazê-lo. Associado à ironia, pode soar um pouco cínico em uma situação como: "Não vou perguntar-lhe se já nasceu tonto porque sou muito educado".
A preterição faz a alegria de políticos em contendas públicas. Não é difícil ouvirmos algum deles a atacar o outro com frases do tipo: "Não vou acusá-lo de ladrão, mas eu gostaria de saber onde foram parar as verbas destinadas à educação que deixaram de ser investidas durante o seu mandato". Com a preterição, o orador afasta as possíveis objeções, pois, de certa maneira, desarma o adversário. A figura pode, todavia, ser usada também com intuito eufemístico: "Procurava administrar a minha relação na casa onde estava hospedado. Não vou dizer que o inglês é um povo difícil porque soa ingênuo: qualquer povo é difícil quando tem estranhos em casa".


Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha. E-mail: tnicoleti@folhasp.com.br


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