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PORTUGUÊS
Metalinguagem cria distanciamento crítico
THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
ESPECIAL PARA A FOLHA
A transformação do ato criador
no tema da criação, artifício
presente sobretudo na arte moderna -no cinema, no teatro, nas
artes plásticas, enfim, em toda
manifestação artística que se debruça sobre o próprio fazer-, é o
que se chama de metalinguagem.
O recurso foi adotado pela arte
moderna, que buscou criar no espectador/leitor uma nova atitude.
A arte deixou de ser um espaço de
evasão para tornar-se um espaço
de tomada de consciência, o que
só seria obtido por meio do distanciamento do objeto artístico.
Quando Machado de Assis interpela o leitor -ora para comentar o teor de um capítulo, ora para
antecipar-lhe um acontecimento
que virá em momento posterior-, está rompendo a linearidade da narrativa e içando o leitor
para outro plano. Isso é diferente
do que ocorria com os leitores dos
romances românticos, que mergulhavam no enredo, não raro sofrendo com os dissabores vividos
pelos personagens. Pode-se dizer
que Machado antecipa a atitude
autocrítica dos modernistas.
A arte do século 20 passa por
um autoquestionamento do qual
a metalinguagem se torna instrumento. Mas, dado o seu caráter
marcadamente lúdico, o exercício
metalingüístico permitiu à poesia
ganhar em leveza e incorporar de
uma vez a língua como tema.
O moderno José Paulo Paes,
poeta, ensaísta e tradutor, com
sua inteligência precisa e com sua
intuição poética certeira, compôs,
entre muitos outros, o poemeto
"Etimologia": "no suor do rosto/
o gosto/ do nosso pão diário// sal:
salário". A aula de origem das palavras dispensa explicações.
Manuel Bandeira, no poema
"Neologismo", para fazer uma
declaração de amor, ensina que a
língua admite a criação de palavras que sejam necessárias: "Beijo
pouco, falo menos ainda./ Mas invento palavras/ Que traduzem a
ternura mais funda/ E mais cotidiana./ Inventei, por exemplo, o
verbo teadorar./ Intransitivo:/
Teadoro, Teodora".
Mas, muito antes do modernismo, já se vê o uso da metalinguagem. Por exemplo, no período
barroco, quando os jogos de palavras eram muito apreciados. Prova disso está num soneto da poesia encomiástica de Gregório de
Matos, dedicado a um certo conde de Ericeira dom Luís de Meneses, que lhe pedira uma homenagem. O poeta, cuja veia satírica já
era conhecida, livrou-se da aborrecida tarefa com sua notória habilidade, compondo um soneto em que apenas discorria sobre o fato de o estar fazendo.
Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha
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