UOL

      São Paulo, quinta-feira, 27 de novembro de 2003
  Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

HISTÓRIA

Os marinheiros e a Revolta da Chibata

ROBERSON DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em 1978, o movimento negro escolheu o dia da morte de Zumbi, 20 de novembro, como o Dia Nacional da Consciência Negra. Nesse dia, em 1695, foram eliminados os últimos combatentes do mais expressivo e duradouro movimento de luta contra a escravidão, o Quilombo dos Palmares. A instituição só foi extinta em 1888, o que não significou o fim da violência contra os negros. A luta teve de continuar.
Já no período republicano, uma das manifestações mais eloqüentes contra as sobrevivências do regime escravista na sociedade brasileira foi a Revolta da Chibata, que começou no Rio de Janeiro em 22 de novembro de 1910.
A situação da Marinha no começo do século 20 era uma grande metáfora da sociedade brasileira. A oficialidade era constituída de brancos, e os marinheiros, quase na totalidade, eram negros.
O código disciplinar previa penas de castigos corporais, entre as quais a temida aplicação de chibatadas. O marinheiro era preso a ferros e espancado brutalmente com uma chibata feita de corda e incrustada de pregos e agulhas, o que levava, às vezes, à morte do infrator. Em sinal de revolta contra esse tratamento imposto a homens juridicamente livres, um grupo de marinheiros, liderado por João Cândido e Manoel Gregório do Nascimento, amotinou-se, assumiu o controle das duas mais poderosas naves de guerra da Marinha e exigiu a extinção dos castigos corporais, assim como a anistia aos rebeldes.
O governo e os oficiais da Marinha consideravam uma humilhação negociar com "negros rebelados", mas tiveram de ceder. No dia 25 de novembro, as reivindicações foram aceitas e, no dia 26, a revolta acabou. Mas o governo e a Marinha não cumpriram sua parte do acordo. Provocações desencadeadas pela oficialidade, que não concordou com a anistia, causaram novas revoltas dos marinheiros, que acabaram presos.
Dezoito marinheiros, entre os quais João Cândido, ficaram numa solitária. Todos os dias, os carcereiros perguntavam se ele já tinha morrido. A solitária só foi aberta quando um dos sobreviventes, mentindo, disse que sim. De fato, 16 estavam mortos e já em estado de decomposição, mas dois ainda sobreviveram, entre os quais João Cândido, que saiu da solitária amparado, mas em pé. Expulso da Marinha, passou a trabalhar como pescador e morreu aos 89 anos, pobre e esquecido.


Roberson de Oliveira é autor de "História do Brasil: Análise e Reflexão" e "As Rebeliões Regenciais" (Editora FTD) e professor no Colégio Rio Branco e na Universidade Grande ABC. E-mail: roberson.co@uol.com.br


Texto Anterior: Química: A história de um americano sortudo
Próximo Texto: Biologia: A história do mal de Chagas
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.