São Paulo, segunda-feira, 01 de janeiro de 2007

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Crítica/música

Damien Rice volta preguiçoso

11.dez.2005-John McConnico/Associated Press
O cantor irlandês Damien Rice, que lança "9", apresenta-se no concerto de entrega do prêmio Nobel da Paz, em Oslo, em 2005

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL

Damien Rice, que lança o disco "9", é indissociável do filme "Closer - Perto Demais" (2004) e suas amargas cirandas amorosas. Quando viu sua canção "The Blower's Daughter" ser usada como tema do longa de Mike Nichols, o cantor protagonizou mais um daqueles casos típicos em que imagem e música tornam-se uma peça cultural única (isso sem contar que, no Brasil, a versão de Ana Carolina e Seu Jorge para o hit ainda martela nas rádios).
Foi o suficiente para que a carreira desse irlandês, hoje com 36 anos, enfim deslanchasse, após tentativas frustradas com sua primeira banda, Juniper. Antes de partir para a carreira solo e vender quase 2 milhões de cópias de "O" (2003), seu disco de estréia, Rice era o típico músico de bares, na linha trovador solitário, de violão em punho: um mala em potencial.
"O" surpreendeu não apenas por "The Blower's Daughter", mas pelo punhado de boas canções de acento folk, tristíssimas. Na seqüência desse disco, Rice não consegue manter o pique. Aliás, mantém em certo sentido: a tristeza que emana em "9" é ainda mais avassaladora do que na estréia, o que não garante necessariamente um álbum memorável.
A matéria-prima para Rice são as relações amorosas azedadas. Em "O", o cantor chegava perto da morbidez, mas nunca caía na caricatura de moço sofrido. Em "9", isso acontece e é como se a tristeza continuasse, mas em outro estágio. Pelas letras das canções e pelo tom de sua interpretação -a dramaticidade e a entrega vocal de Rice são outras marcas fortes em seu trabalho-, o novo álbum é um registro da fase da depressão em que a imobilidade dá lugar à agressividade e a um saudosismo extremos pelos dias felizes ao lado da amada.

Prematuramente velho
"9" caminha entre dois extremos de humor, mas sempre dentro do espectro já definido no disco anterior, ou seja, uma sonoridade minimalista, focada nas vozes de Rice e de Lisa Hannigan e em tramas de violões e pianos. Mas o novo trabalho peca pelos exageros.
A faixa "Me, My Yoke and I", por exemplo, é Rice tentando soar roqueiro, coisa que aparentemente ele ainda não aprendeu a ser, esboçando a seca raiva uterina de PJ Harvey (lembra as faixas com guitarra e vocal berrado da cantora), e cantando versos repetitivos como "sou louco, sou louco, como um cachorrão". Essa raiva, que parece não combinar com sua imagem de homem romântico, vem ainda numa faixa também roqueira, mas mais interessante, "Rootless Tree" ("ficamos cegos quando precisávamos ver/.../vá se f*"), de equilíbrio entre partes mais lentas e outras mais pesadas.
"Elephant", que promete ser uma continuação de "Blower's", decepciona com sua fórmula à Radiohead das antigas, em que silêncios anunciam a chegada de interlúdios explosivos, aqui com Rice buscando registros que testam seus limites e sua extensão vocais.
Na dramática balada ao piano "Accidental Babies", Rice rasteja e se tortura ao relembrar uma ex-amada: "Você goza sempre junto com ele? E ele é sombrio o suficiente para ver a sua luz? Você escova seus dentes antes de beijar?". "Coconut Skins", mais "alegre", traz um acento folk/country e mostra bons momentos de Rice nas letras: "O tempo é contagioso, todos estão ficando velhos".
É o próprio Rice quem está ficando prematuramente velho. "9" parece sofrer de uma espécie de preguiça, como se o cantor tivesse reunido as músicas que não eram boas o suficientes para figurar em "O". Com "9", mostra-se um cantor impenetrável ao que acontece ao seu redor em termos musicais, sem medo de se repetir, coerente com a idéia de depressão, esta também impenetrável às alegrias e novidades do mundo exterior.

9   
Artista: Damien Rice
Lançamento: Warner
Quanto: R$ 27, em média


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