DO CRÍTICO DA FOLHA

Com o mercado cinematográfico voltado para o público jovem, filmes protagonizados por idosos tendem naturalmente a ficar nas beiradas do circuito. "Duas Senhoras" é caso ainda mais radical: o lançamento em São Paulo, amanhã, numa única sala e com atraso de quase dois anos, deve-se à parceria entre o CineSesc e a embaixada da França.
De fato, como adianta o título, não há nada de empolgante -ao menos de acordo com o que responde hoje por sucessos de bilheteria -em história vivida por duas mulheres com mais de 60 anos: Esther, presa a uma cadeira de rodas, e Halima, presa à rotina com o marido.
Judia, Esther precisa de cuidados, mas costuma afugentar aos berros as enfermeiras e acompanhantes contratadas por seu zeloso filho (interpretado pelo diretor e roteirista Philippe Faucon). Muçulmana, Halima também já criou os filhos, todos adultos, e agora planeja, sem pedir ajuda a eles, a viagem sonhada por toda a vida, da França até Meca.
Seria improvável que se encontrassem na rua, muito menos que convivessem, mas uma das filhas de Halima (Sabrina Ben Abdallah), que trabalha como enfermeira, providencia a insólita ponte entre elas. "Duas Senhoras" passa então a explorar, por quase todos os seus econômicos 73 minutos, o que poderia aproximar essas personagens tão diferentes.
Francês de origem marroquina, Faucon cria uma crônica bem-humorada sobre a velhice e a tolerância religiosa, muito semelhante a "Uma Canção de Amor" (2008), de Karin Albou, ambientado na Tunísia durante perseguição aos judeus pelos nazistas a partir de 1942.
Curiosamente, a história contada por Albou envolve duas amigas de infância -uma judia e outra muçulmana- que poderiam corresponder, na juventude, a Esther e Halima. Não por acaso, a primeira invoca, em "Duas Senhoras", a lembrança do período de tolerância em que judeus e muçulmanos viveram no norte da África até a eclosão da Segunda Guerra Mundial. (SR)