São Paulo, sábado, 01 de janeiro de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Julgamento ignorou cena de sexo anal

DE SÃO PAULO

Enquanto preocuparam-se demasiado com o vocabulário "chulo" de "O Amante de Lady Chatterley", os "velhos cinzentos" (como D.H. Lawrence definiu seus censores) passaram batido por uma cena de sexo anal -uma das raras não explícitas do livro- entre Connie Chatterley e o guarda-caças Oliver Mellors.
Na luminosa introdução à nova tradução do romance, na qual associa a vida sexual de Lawrence à obra do escritor, a prêmio Nobel Doris Lessing observa como a passagem foi incrivelmente ignorada durante o julgamento de 1960.
No trecho (reproduzido parcialmente abaixo), Connie "precisou reduzir-se a um estado de total passividade e complacência, como uma escrava fisicamente subjugada" e "teve a impressão de que morria: mas uma morte magnífica e pungente".
Responsável pela nova tradução ao português, Sergio Flaksman define a passagem como "a cena de sexo mais transcendente" entre o casal.
Flaksman, 61 anos (e que diz ter lido "O Amante..." aos 13 ou 14, "puladinho, procurando só as cenas de sacanagem"), abomina a ideia de que o livro seja pornográfico.
"Isso é uma bobagem. É um livro profundamente romântico, idealista e melancólico", afirma.
Pois é justo aí que reside a beleza de "O Amante...": conferir a cenas tórridas uma profunda carga amorosa, fundir com requinte crueza e ternura.
"Lawrence sempre defendeu a importância do sexo como algo que não apenas conectava duas pessoas, mas conectava o indivíduo ao mundo. Para Lawrence, sexo tinha a ver com nossa relação com o universo físico -então, de certa forma, tinha um significado quase religioso para ele", avalia Andrew Harrison, diretor do Centro de Pesquisas D. H. Lawrence da Universidade de Nottingham.
Num posfácio em que trata do contexto do romance e das polêmicas que suscitou, Lawrence diz que "a ponte para o futuro é o falo" e que o meio de regenerar a Inglaterra é por "um novo contato do sangue, um novo toque e um novo casamento".
Mas engana-se quem pensar que o livro é só uma apologia do amor e do sexo. Como lembra Doris Lessing, é também um manifesto contra a guerra.
E, como agrega Harrison, há lá críticas "à americanização da cultura britânica e ao impacto das então novas formas de entretenimento popular, como rádio e cinema".(FV)

Texto Anterior: Trecho
Próximo Texto: Raio-X: D.H. Lawrence
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.