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Show de Elton Medeiros, hoje no Rio, dá início às homenagens ao centenário
de Ismael Silva
Deixa falar
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Elton Medeiros lembra-se de,
em 1950, ter ouvido na rádio Tupi
a (anunciada, pelo menos) primeira execução de "Antonico",
na voz de Alcides Gerardi. Era a
volta do compositor Ismael Silva
ao sucesso depois de anos de prisão e ostracismo.
Entre 1963 e 1965, Silva era um
dos astros do Zicartola, o histórico restaurante e casa de samba
que Cartola e sua mulher abriram
no centro do Rio. Medeiros conviveu ali com ele, que renascia mais
uma vez das cinzas.
Em 1973, após outro período na
sombra, Silva ganhou a chance de
gravar um disco, que seria seu último. Batizado com o título de seu
maior sucesso, "Se Você Jurar",
ele foi relançado em CD em dezembro passado.
Hoje, Medeiros sobe ao palco
do Teatro 2 do Centro Cultural
Banco do Brasil do Rio para, ao lado de Claudio Nucci, cantar grandes sambas como "Antonico" e
"Ao Romper da Aurora" e iniciar
a série "Ismael Silva: Deixa Falar",
comemoração dos cem anos
-que se completam em 14 de setembro- de um dos protagonistas da história do samba.
"Ele era o mais mal-humorado
compositor bem-humorado que
eu conheci. Seus sambas eram engraçados, mas ele era muito fechado. Eu, que tinha 25 anos a
menos, via Ismael como um ídolo. Sempre soube da sua importância para a cultura popular brasileira", conta Medeiros, 74.
Essa importância de Ismael Silva (1905-1978) começou a se
construir na segunda metade dos
anos 20. Ele, que nascera em Niterói, estava entre os negros pobres
do bairro do Estácio (zona central
do Rio) que criaram o "samba urbano", com a batida que conhecemos hoje, não aquele com jeito de
maxixe que se tocava anteriormente e que tinha Sinhô como
maior expoente.
Essa turma do Estácio fundou,
em 12 de agosto de 1928, o Deixa
Falar, um bloco que se tornou
embrião de todas as escolas de
samba por causa de algumas inovações: a música voltada para os
foliões evoluírem, e não bailarem,
como no maxixe; o surdo, instrumento inventado no bairro por
Alcebíades Barcelos, o Bide, marcando a cadência; a ala das baianas; e o mestre-sala e a porta-bandeira, baseados no baliza e na porta-estandarte dos ranchos carnavalescos.
Ismael Silva também foi, entre
1928 e 1934, o mais bem-sucedido
"sambista de morro" . Mais do
que de Cartola e Bide, eram dele
os sambas que estouravam nas rádios nas vozes de Mário Reis e,
principalmente, Francisco Alves.
Foi Chico Alves e seu tino comercial que descobriram nos
morros, em especial os do Estácio,
uma fonte inesgotável de músicas
de qualidade. Maior nome do rádio de então, Alves garantia o sucesso da gravação em troca de ser
parceiro do verdadeiro autor do
samba -às vezes, ele comprava
toda a autoria.
A prática valeu ao cantor a alcunha de "comprositor", dada pelas
línguas ferinas do café Nice (reduto de músicos no centro do Rio)
àqueles que tiravam um naco dos
direitos autorais alheios.
Mas Silva sempre se disse grato
a Alves por tê-lo projetado. Sambas como "Me Faz Carinhos",
"Não Há", "Nem É Bom Falar",
"Arrependido", "Adeus" e, sobretudo, "Se Você Jurar" fizeram sucesso e firmaram o estilo do compositor (em parceria com Nílton
Bastos e, depois da morte deste,
Noel Rosa, com quem compôs 18
músicas).
"Um tema recorrente nos sambas é a falsidade da mulher, a impossibilidade de um relacionamento ser leal. Há momentos em
que ele trata do amor com mau
humor, e há crônicas muito bem-humoradas", avalia o músico Luís
Filipe de Lima, diretor da série
"Ismael Silva: Deixa Falar".
Músicas como "Todo Mundo
Quer" ("Trabalho igual ao meu
todo mundo quer/ Mas nem todos podem arranjar/ Pego às onze
horas, largo ao meio-dia/ E tenho
uma hora pra almoçar") e "Peçam
Bis" ("Foi tanto bis que eu já não
podia atender/ Entretanto o que a
platéia queria/ É que eu cantasse,
cantasse até aprender") mostram
que o humor de Ismael Silva ia
além do amor.
Mas quem conviveu com ele se
lembra de um homem fechado,
até amargurado, que evitava tocar
em assuntos como a condenação
a cinco anos, em 1935, por ter dado dois tiros nas nádegas de um
malandro que se engraçara com
sua irmã.
Tendo passado boa parte da vida sozinho em quartos de pensão,
Silva foi perdendo com o tempo
seus contemporâneos. Dos "bambas do Estácio", só Bide (1902-1975) sobreviveu tanto quanto ele.
Rubem Barcelos, irmão de Bide,
e Edgar Marcelino dos Passos, conhecidos como Mano Rubem e
Mano Edgar -que, para Medeiros, iniciaram a invenção do
"samba urbano" antes de Ismael
Silva-, o parceiro Nílton Bastos,
os valentões Baiaco e Brancura,
todos morreram jovens, doentes
ou assassinados.
"Ele foi ficando sozinho. E, ao
contrário do Cartola, não sabia se
relacionar com os mais jovens",
diz Medeiros.
Hoje com 55 anos, o violonista
Cláudio Jorge acompanhou o
compositor em shows nos seus
três últimos anos de vida. Não podia subir ao quarto dele -a vaidade de Silva não permitia-,
mas o encontrava sempre de terno num bar próximo, na Lapa
(zona central). "Ele era muito reservado e, também, orgulhoso.
Tinha uma postura elegante, uma
altivez, e sua inteligência era acima da média. Suas melodias e letras eram muito refinadas", diz o
músico.
Essa vaidade de Silva também é
ressaltada por Medeiros e todos
os que conheceram o compositor.
Revelava-se nas roupas e na maneira de falar de si próprio e de
seu papel na história da música
brasileira -uma de suas grandes
mágoas no fim da vida foi ter sido
barrado ao tentar entrar no desfile
das escolas de samba.
Cláudio Jorge, ao lado de Mônica Salmaso, encerrará a série do
CCBB em 1º/3. Antes, cantarão
Fátima Guedes e Flávio Bauraqui
-ator que interpreta Silva no filme sobre Noel Rosa que está sendo produzido- em 15/2, no bloco "Amor de Malandro"; e Monarco, Teresa Cristina e Pedro Miranda em 22/2, em "Os Bambas
do Estácio".
Na abertura de hoje, Medeiros
cantará um samba inédito de Ismael Silva, "Não Avance o Sinal", enviado a
ele pelo letrista Paulo César Pinheiro. A obra de Ismael Silva
continua saindo da sombra e se
renovando.
ISMAEL SILVA: DEIXA FALAR. Quando:
de hoje a 1º/3 (terças, às 12h30 e 18h30).
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil do
Rio (r. Primeiro de Março, 66, centro, tel.
0/xx/21/3808-2020). Quanto: R$ 3 e R$ 6.
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