São Paulo, sexta-feira, 01 de fevereiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Cinema/estréia

Sob o domínio do mal

Irmãos Coen filmam a falência da épica do Oeste e sua substituição pelo terror em "Onde os Fracos Não Têm Vez", que estréia hoje e disputa 8 Oscars; leia entrevista com os diretores

Divulgação
Javier Bardem como Anton em "Onde os Fracos Não Têm Vez'

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Para os Coen, Joel e Ethan, a questão sempre foi estabelecer uma certa distância, como se, à frente da tela, devesse existir uma outra tela. Para tomar um exemplo claro: em "Fargo" (1996), as roupas de neve da policial como que criam uma segunda trama para nossos olhos, que não é mais a trama de crime do roteiro, mas a do frio, de uma temperatura gélida.
Em "Onde os Fracos Não Têm Vez", filme que estréia hoje e concorre a oito Oscars, essa distância vem da narração do velho xerife Ed Tom Bell (Tommy Lee Jones) para uma história acontecida no Texas em 1980. Bell é, portanto, um xerife do Oeste, herdeiro do faroeste e de sua épica. O que ele conta é o confronto com uma situação original, na qual constata uma mudança de época.
Nessa história, Llewelyn Moss (Josh Brolin) descobre uma fortuna no local onde houve um massacre envolvendo traficantes de droga. Apossa-se do dinheiro, sem saber que atrás dele está Anton Chigurh (Javier Bardem), um psicopata para quem matar e tirar cara ou coroa numa moeda é mais ou menos a mesma coisa. Ele anda de baixo para cima com uma engenhoca que mais vale ver do que descrever (ela tem papel semelhante ao dos trajes de inverno em "Fargo").
A narração se dá, a partir de então, em três partes: a de Moss -sua luta para esconder o dinheiro e fugir de Anton-, a perseguição que este move a Moss, com um terrível rastro de mortes, e a atuação do xerife.
O que pode até deixar certa impressão de desequilíbrio é que a primeira e a segunda histórias são, a rigor, apenas uma: narrativas da falência da épica do Oeste, seu espírito e seus valores, e sua substituição pelo terror puro e simples. Entre esses dois momentos de história (o de Bell e o dos duelantes), o que há é o Vietnã.
Moss é um veterano, assim como o mercenário Carson Wells (Woody Harrelson). Não se menciona o passado de Anton, mas que diferença faz? A guerra e as drogas permeiam tudo: o país do velho Bell acabou.
É esse sentimento de distância que marca o filme. Existe nostalgia ali, como se depreende das paisagens texanas, onde antes cavalgavam John Wayne e Gary Cooper. Mas esse sentimento está desconectado do presente, de 1980. A morte agora se dá em escala industrial, não existe uma nação se expandindo (à custa dos índios), nem crença em um destino manifesto, nem confronto moral. Há apenas o mal absoluto e a ganância ilimitada.
Se não raro é possível notar nos irmãos Coen uma espécie de nostalgia cinematográfica, desta vez esse sentimento em relação ao passado se manifesta de maneira mais concreta e madura: pela passagem do faroeste ao terror, por intermédio do filme policial.
Pode-se talvez pensar que Javier Bardem não represente de maneira plena (ou o faça de forma irregular) essa imagem de terror. Mas o horror está menos em sua figura do que nas cabeças arrebentadas, no sangue que jorra dos corpos, nos ossos à mostra: toda uma plástica da dilaceração sob a qual parecem se disfarçar figuras terríveis como Jason ou, pior, Freddy Krueger, invasor de sonhos (vale mencionar: a narração de um sonho fecha o filme).


ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ
Diretores:
Joel e Ethan Coen
Produção: EUA, 2007
Com: Josh Brolin, Javier Bardem e Tommy Lee Jones
Onde: a partir de hoje, nos cines Bristol, Eldorado, Jardim Sul e circuito
Avaliação: ótimo


Texto Anterior: Horário nobre da TV aberta
Próximo Texto: Entrevista: Personagem cruel deprimiu Javier Bardem
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.