São Paulo, sexta-feira, 01 de fevereiro de 2008

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"Se fizer sucesso, o mérito é do autor"

Irmãos Coen rejeitam a idéia de gênero próprio e dizem que elogios devem ser feitos a Cormac McCarthy, criador da história

"Não sabemos absolutamente nada sobre nosso estilo nem queremos saber", afirma Ethan, em entrevista com o irmão, Joel

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM LOS ANGELES

No filme, é a imagem do ator Javier Bardem com o corte de cabelo diferentão, o andar pacífico e o olhar perdido, somada à traquitana com a qual ele executa quase todos os que cruzam seu caminho, que tira a tranqüilidade do espectador.
Mas, numa entrevista, em Los Angeles, com os diretores, roteiristas, editores e produtores Joel e Ethan Coen, são a timidez de um e a aparente falta de treino com jornalistas do outro que deixam o clima parecido com uma cena de filme deles, uma daquelas em que os personagens não sabem exatamente do que o outro é capaz.
Uma assessora anuncia que Joel vai chegar primeiro. Ethan entra na sala -onde estão a repórter da Folha e três jornalistas da imprensa estrangeira- e diz que isso sempre acontece. "Ninguém sabe quem é um e quem é o outro." E completa: "Pode começar a perguntar, o Joel nunca tem nada interessante a dizer".
Só para esclarecer: Ethan é o que lembra o músico Nando Reis. É o mais tímido dos dois, fala olhando quase sempre para os próprios pés, calçados no dia com um All Star preto surrado de cano baixo.
Joel chega em seguida, antes da primeira pergunta. Ele é o moreno alto, magrelo e descabelado que lembra o diretor Tim Burton, se veste sempre de preto e é casado com a atriz Frances McDormand. E fala olhando para o teto.
Eles respondem às perguntas com um mix de ironia e susto, como se fosse uma grande surpresa que alguém tenha interesse em saber o que pensam.
Não dá para saber o que é pose e o que é real, mas parece improvável que, depois de tantos prêmios e dos 11 filmes anteriores (o primeiro foi "Gosto de Sangue"", de 1984), sendo que pelo menos quatro são considerados obras seminais do cinema americano contemporâneo ("Barton Fink", de 1991; "Fargo", de 1996; "O Grande Lebowski", de 1998; e "E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?", de 2000), a dupla ainda se sinta tão desconfortável para falar de seu trabalho.
Ou, vai ver, é por isso mesmo que eles estão entre os cineastas mais originais da atualidade. Veja abaixo trechos da entrevista. (TETÉ RIBEIRO)

 

PERGUNTA - O filme tem premissas parecidas com "Fargo". A fuga com o dinheiro, o pedaço quase desabitado do país, o policial sossegado, o assassino calmo e violento. Há uma ligação proposital entre as histórias?
ETHAN -
Não pensamos nisso ao ler o livro nem ao escrever o roteiro, mas depois percebemos as similaridades. Ao mesmo tempo, acredito que você pode isolar três fatos em qualquer filme e encontrar coisas similares a eles em outro filme. JOEL - Se você procurar essas coisas, vai encontrar em todos os lugares, o tempo todo. Mas não dá para dizer que a gente não tenha feito essa ligação.

PERGUNTA - Os críticos americanos falaram muito sobre o excesso de violência do filme, mas o mais assustador é o que não é mostrado, o que não se sabe a respeito do resto da cena. Foi uma maneira pensada para aumentar o suspense?
JOEL -
Não, mas é um grande elogio ao nosso trabalho. Não pensamos em nada disso antes de começar a filmar. Fomos muito fiéis ao livro, que narra algumas das cenas exatamente como colocamos no filme.

PERGUNTA - Esse elenco não tem os atores que normalmente trabalham com vocês, como Steve Buscemi, John Turturro, John Goodman ou a Frances McDormand. Por quê?
ETHAN -
Não foi uma decisão pensada. Nós começamos a fazer o casting e, quando nos demos conta, não tinha nenhum dos atores com quem trabalhamos mais freqüentemente. O Javier [Bardem] é um dos atores com quem a gente gostaria de trabalhar faz tempo, mas, em geral, escrevemos histórias americanas com personagens americanos, então nunca tinha papel para ele. Mas esse roteiro dava margem para a gente conceber que aquele personagem fosse estrangeiro, então aproveitamos a oportunidade.

PERGUNTA - Os seus filmes são muito diferentes uns dos outros, mas, ao mesmo tempo, têm uma unidade, como se fosse um gênero só de vocês. Há ingredientes fundamentais que entram em todos os filmes?
ETHAN -
Não.
JOEL - Não.
ETHAN - Não, não.
JOEL - Não, não, não. Esse especificamente é um dos que temos menos crédito porque é uma adaptação de um livro, nós não inventamos essa história. Se fizer algum sucesso, o mérito é de Cormac McCarthy.
ETHAN - Não sei qual teria sido nossa contribuição. Com sorte, a de não ter estragado o livro.

PERGUNTA - Mas o fato de vocês terem escolhido este livro do Cormac McCarthy, que é o mais violento dele, se passa no meio do deserto no Texas e tem um monte de personagens estranhos, não quer dizer nada a respeito do estilo de vocês?
JOEL -
Talvez. Mas isso não passa pelas nossas cabeças quando estamos pensando em que filme fazer em seguida. Não pensamos pragmaticamente em que história poderia se encaixar no nosso estilo.
ETHAN - Não sabemos absolutamente nada sobre o nosso estilo nem queremos saber, as decisões são tomadas uma a uma sem que o conjunto da obra seja levado em consideração. O jeito como o trabalho é visto pelos outros, pela crítica e pelo público está fora do nosso alcance.

PERGUNTA - Há alguns filmes vocês começaram a assinar juntos a direção, o roteiro e a produção, e também a edição, ainda que com o nome Roderick Jaynes. Mudou também a divisão de trabalho?
ETHAN -
Não, sempre foi uma colaboração. As pessoas imaginam que um é o chefe e o outro é o assistente, ou que o mais velho [Joel] tem a palavra final. Não é assim, a gente sempre colaborou, e se uma idéia incomoda o outro, a gente trabalha até que surja uma que agrade aos dois. Funciona há 25 anos.
JOEL - As pessoas projetam as relações que têm com seus irmãos, talvez mais complicadas que a nossa, e não aceitam que nenhum de nós tenha a palavra final, mas não é assim que a gente se relaciona como irmãos nem como colaboradores.


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