|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Se fizer sucesso, o mérito é do autor"
Irmãos Coen rejeitam a idéia de gênero próprio e dizem que elogios devem ser feitos a Cormac McCarthy, criador da história
"Não sabemos absolutamente nada sobre nosso estilo nem queremos saber", afirma Ethan, em entrevista com o irmão, Joel
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM LOS ANGELES
No filme, é a imagem do ator
Javier Bardem com o corte de
cabelo diferentão, o andar pacífico e o olhar perdido, somada à
traquitana com a qual ele executa quase todos os que cruzam
seu caminho, que tira a tranqüilidade do espectador.
Mas, numa entrevista, em
Los Angeles, com os diretores,
roteiristas, editores e produtores Joel e Ethan Coen, são a timidez de um e a aparente falta
de treino com jornalistas do
outro que deixam o clima parecido com uma cena de filme deles, uma daquelas em que os
personagens não sabem exatamente do que o outro é capaz.
Uma assessora anuncia que
Joel vai chegar primeiro. Ethan
entra na sala -onde estão a repórter da Folha e três jornalistas da imprensa estrangeira- e
diz que isso sempre acontece.
"Ninguém sabe quem é um e
quem é o outro." E completa:
"Pode começar a perguntar, o
Joel nunca tem nada interessante a dizer".
Só para esclarecer: Ethan é o
que lembra o músico Nando
Reis. É o mais tímido dos dois,
fala olhando quase sempre para os próprios pés, calçados no
dia com um All Star preto surrado de cano baixo.
Joel chega em seguida, antes
da primeira pergunta. Ele é o
moreno alto, magrelo e descabelado que lembra o diretor
Tim Burton, se veste sempre de
preto e é casado com a atriz
Frances McDormand. E fala
olhando para o teto.
Eles respondem às perguntas com um mix de ironia e susto, como se fosse uma grande
surpresa que alguém tenha interesse em saber o que pensam.
Não dá para saber o que é pose
e o que é real, mas parece improvável que, depois de tantos
prêmios e dos 11 filmes anteriores (o primeiro foi "Gosto de
Sangue"", de 1984), sendo que
pelo menos quatro são considerados obras seminais do cinema americano contemporâneo ("Barton Fink", de 1991;
"Fargo", de 1996; "O Grande
Lebowski", de 1998; e "E Aí,
Meu Irmão, Cadê Você?", de
2000), a dupla ainda se sinta
tão desconfortável para falar de
seu trabalho.
Ou, vai ver, é por isso mesmo
que eles estão entre os cineastas mais originais da atualidade. Veja abaixo trechos da entrevista.
(TETÉ RIBEIRO)
PERGUNTA - O filme tem premissas
parecidas com "Fargo". A fuga com
o dinheiro, o pedaço quase desabitado do país, o policial sossegado, o
assassino calmo e violento. Há uma
ligação proposital entre as histórias?
ETHAN - Não pensamos nisso
ao ler o livro nem ao escrever o
roteiro, mas depois percebemos as similaridades. Ao mesmo tempo, acredito que você
pode isolar três fatos em qualquer filme e encontrar coisas
similares a eles em outro filme.
JOEL - Se você procurar essas
coisas, vai encontrar em todos
os lugares, o tempo todo. Mas
não dá para dizer que a gente
não tenha feito essa ligação.
PERGUNTA - Os críticos americanos
falaram muito sobre o excesso de
violência do filme, mas o mais assustador é o que não é mostrado, o que
não se sabe a respeito do resto da
cena. Foi uma maneira pensada para aumentar o suspense?
JOEL - Não, mas é um grande
elogio ao nosso trabalho. Não
pensamos em nada disso antes
de começar a filmar. Fomos
muito fiéis ao livro, que narra
algumas das cenas exatamente
como colocamos no filme.
PERGUNTA - Esse elenco não tem os
atores que normalmente trabalham
com vocês, como Steve Buscemi,
John Turturro, John Goodman ou a
Frances McDormand. Por quê?
ETHAN - Não foi uma decisão
pensada. Nós começamos a fazer o casting e, quando nos demos conta, não tinha nenhum
dos atores com quem trabalhamos mais freqüentemente. O
Javier [Bardem] é um dos atores com quem a gente gostaria
de trabalhar faz tempo, mas,
em geral, escrevemos histórias
americanas com personagens
americanos, então nunca tinha
papel para ele. Mas esse roteiro
dava margem para a gente conceber que aquele personagem
fosse estrangeiro, então aproveitamos a oportunidade.
PERGUNTA - Os seus filmes são muito diferentes uns dos outros, mas,
ao mesmo tempo, têm uma unidade, como se fosse um gênero só de
vocês. Há ingredientes fundamentais que entram em todos os filmes?
ETHAN - Não.
JOEL - Não.
ETHAN - Não, não.
JOEL - Não, não, não. Esse especificamente é um dos que temos menos crédito porque é
uma adaptação de um livro,
nós não inventamos essa história. Se fizer algum sucesso, o
mérito é de Cormac McCarthy.
ETHAN - Não sei qual teria sido
nossa contribuição. Com sorte,
a de não ter estragado o livro.
PERGUNTA - Mas o fato de vocês terem escolhido este livro do Cormac
McCarthy, que é o mais violento dele, se passa no meio do deserto no
Texas e tem um monte de personagens estranhos, não quer dizer nada
a respeito do estilo de vocês?
JOEL - Talvez. Mas isso não
passa pelas nossas cabeças
quando estamos pensando em
que filme fazer em seguida. Não
pensamos pragmaticamente
em que história poderia se encaixar no nosso estilo.
ETHAN - Não sabemos absolutamente nada sobre o nosso estilo nem queremos saber, as decisões são tomadas uma a uma
sem que o conjunto da obra seja
levado em consideração. O jeito
como o trabalho é visto pelos
outros, pela crítica e pelo público está fora do nosso alcance.
PERGUNTA - Há alguns filmes vocês
começaram a assinar juntos a direção, o roteiro e a produção, e também a edição, ainda que com o nome Roderick Jaynes. Mudou também a divisão de trabalho?
ETHAN - Não, sempre foi uma
colaboração. As pessoas imaginam que um é o chefe e o outro
é o assistente, ou que o mais velho [Joel] tem a palavra final.
Não é assim, a gente sempre colaborou, e se uma idéia incomoda o outro, a gente trabalha até
que surja uma que agrade aos
dois. Funciona há 25 anos.
JOEL - As pessoas projetam as
relações que têm com seus irmãos, talvez mais complicadas
que a nossa, e não aceitam que
nenhum de nós tenha a palavra
final, mas não é assim que a
gente se relaciona como irmãos
nem como colaboradores.
Texto Anterior: Entrevista: Personagem cruel deprimiu Javier Bardem Próximo Texto: Frases Índice
|