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Análise
Coen simbolizam a história recente do cinema dos EUA
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
É no mínimo emblemático. Em janeiro de 1985,
o filme de estréia de
Joel e Ethan Coen, "Gosto de
Sangue", recebia o prêmio máximo da primeira edição do
Festival de Sundance. Nasceram juntos, portanto, a obra
dos cineastas irmãos e o festival
criado por Robert Redford para
dar espaço a setores criativos
do cinema americano sufocados por Hollywood.
Hoje, mais de 20 anos depois,
os Coen podem levar o Oscar
com um filme produzido por
uma associação entre a Paramount Vantage e a Miramax,
divisões de dois grandes estúdios (Paramount e Disney),
criadas, justamente, após a explosão de bilheteria de filmes
independentes nos anos 90.
A obra dos Coen é cheia de altos e baixos, mas traz algumas
balizas dessa história recente
do cinema americano, marcada
por uma renovação que se deu
de fora para dentro. É curioso
notar como Sam Raimi, parceiro de começo de carreira (Joel
foi assistente de montagem de
"Evil Dead", que Raimi dirigiu
em 1981), se tornaria diretor da
bem-sucedida franquia "Homem-Aranha", enquanto todos
os flertes dos Coen com o
"mainstream" foram mal-sucedidos -caso da comédia-naif
"Na Roda da Fortuna" (1994) e
da comédia romântica "O
Amor Custa Caro" (2003).
O sucesso, para os Coen,
sempre veio de forma inesperada, como em "Fargo" (1996),
comédia de erros mordaz que
recebeu Oscar de melhor atriz
(Frances McDormand) e melhor roteiro original, e na inusitada mistura de literatura épica
("Odisséria", de Homero) e
música folk de "E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?", recorde de
vendas de trilha sonora.
Cineastas à moda antiga
Na reciclagem de gêneros, os
Coen viveram seus momentos
mais felizes. Com "Gosto de
Sangue", neo-noir irônico, definiram estilo próprio e rigoroso,
que se desdobraria em releituras cinematográficas-literárias:
"Ajuste Final" (homenagem
aos filmes de gângster e ao estilo de Dashiel Hammet) e "O
Homem que Não Estava Lá"
(com magnífica fotografia em
preto-e-branco de Roger Deakins). Em "Arizona Nunca
Mais", redesenharam a "screwball comedy" com planos-seqüências alucinantes, e, em
"Barton Fink" (Palma de Ouro), realizaram a bizarra porém
bem-sucedida união entre horror psicológico e metaficção.
Em outros tempos, os Coen
seriam nomes perfeitos para a
indústria: trabalham com reciclagem de gêneros, roteiros sólidos, diálogos afiados e conceitos visuais estudados em storyboards. Mas é possível que eles
tenham mantido sua independência justamente por isso: no
fundo, são cineastas à moda antiga -ainda que inseridos em
um novo estatuto da imagem,
essencialmente auto-referente
e auto-irônico.
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