São Paulo, sexta-feira, 01 de fevereiro de 2008

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Análise

Coen simbolizam a história recente do cinema dos EUA

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

É no mínimo emblemático. Em janeiro de 1985, o filme de estréia de Joel e Ethan Coen, "Gosto de Sangue", recebia o prêmio máximo da primeira edição do Festival de Sundance. Nasceram juntos, portanto, a obra dos cineastas irmãos e o festival criado por Robert Redford para dar espaço a setores criativos do cinema americano sufocados por Hollywood.
Hoje, mais de 20 anos depois, os Coen podem levar o Oscar com um filme produzido por uma associação entre a Paramount Vantage e a Miramax, divisões de dois grandes estúdios (Paramount e Disney), criadas, justamente, após a explosão de bilheteria de filmes independentes nos anos 90.
A obra dos Coen é cheia de altos e baixos, mas traz algumas balizas dessa história recente do cinema americano, marcada por uma renovação que se deu de fora para dentro. É curioso notar como Sam Raimi, parceiro de começo de carreira (Joel foi assistente de montagem de "Evil Dead", que Raimi dirigiu em 1981), se tornaria diretor da bem-sucedida franquia "Homem-Aranha", enquanto todos os flertes dos Coen com o "mainstream" foram mal-sucedidos -caso da comédia-naif "Na Roda da Fortuna" (1994) e da comédia romântica "O Amor Custa Caro" (2003).
O sucesso, para os Coen, sempre veio de forma inesperada, como em "Fargo" (1996), comédia de erros mordaz que recebeu Oscar de melhor atriz (Frances McDormand) e melhor roteiro original, e na inusitada mistura de literatura épica ("Odisséria", de Homero) e música folk de "E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?", recorde de vendas de trilha sonora.

Cineastas à moda antiga
Na reciclagem de gêneros, os Coen viveram seus momentos mais felizes. Com "Gosto de Sangue", neo-noir irônico, definiram estilo próprio e rigoroso, que se desdobraria em releituras cinematográficas-literárias: "Ajuste Final" (homenagem aos filmes de gângster e ao estilo de Dashiel Hammet) e "O Homem que Não Estava Lá" (com magnífica fotografia em preto-e-branco de Roger Deakins). Em "Arizona Nunca Mais", redesenharam a "screwball comedy" com planos-seqüências alucinantes, e, em "Barton Fink" (Palma de Ouro), realizaram a bizarra porém bem-sucedida união entre horror psicológico e metaficção.
Em outros tempos, os Coen seriam nomes perfeitos para a indústria: trabalham com reciclagem de gêneros, roteiros sólidos, diálogos afiados e conceitos visuais estudados em storyboards. Mas é possível que eles tenham mantido sua independência justamente por isso: no fundo, são cineastas à moda antiga -ainda que inseridos em um novo estatuto da imagem, essencialmente auto-referente e auto-irônico.


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