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São Paulo, sábado, 01 de março de 2003

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LIVRO/LANÇAMENTO

POLICIAL

Em "Nossa Senhora da Solidão", Marcela Serrano ambienta trama de perseguição no México, na Colômbia e no Chile

Guerrilha recebe visita do romance noir

SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA

É como se Dashiell Hammett (1894-1961) decidisse dar uma volta na Medellín de hoje. Ou se Raymond Chandler (1888-1959) se perdesse nos panelaços na Argentina. Em "Nossa Senhora da Solidão", a chilena Marcela Serrano, 52, construiu uma novela com elementos do noir norte-americano, mas ambientada em cenário e contexto da América Latina de nossos dias.
No lugar da femme fatale daqueles romances, entra Rosa Alvallay, detetive chilena de meia-idade, gordinha, divorciada. Seu objetivo é encontrar uma outra mulher, Carmen Ávila, uma famosa escritora casada com um respeitado reitor de Santiago, que desapareceu sem deixar vestígios. As únicas pistas levam a um comandante da guerrilha colombiana, com quem tinha mantido um romance e que, especula-se, poderia tê-la sequestrado.
Rosa logo encontra a pista de Carmen no México. Para seguir em seu encalço, decide estudá-la. Lê seus romances, encontra os homens com quem se relacionou e acaba por refletir acerca de suas próprias escolhas a partir das atitudes da escritora.
Depois de decolar em Santiago, a ação desenrola-se na Cidade do México e termina na mítica Oaxaca -cidade que guarda as raízes da cultura indígena mexicana.
Serrano, autora de "Nosotras que nos Queremos Tanto" (1994), vencedora dos prêmios Planeta, da Feira de Guadalajara e do Sor Juana Inés de la Cruz, é sucesso editorial na Espanha. Viveu no exílio durante a ditadura do general Augusto Pinochet e preferiu não retornar a seu país depois da transição democrática.
Do México, onde vive, Serrano falou com a Folha.

Folha - Romances noir costumam reforçar ambiguidades e imperfeições dos personagens e geralmente estão ambientados em sociedades de valores corrompidos. Como relacionar estas características com o contexto latino-americano?
Marcela Serrano -
Creio que o romance noir é uma magnífica arma de denúncia mascarada. Isto porque seus heróis sempre nascem e vivem do lado dos vencidos, venham do país ou continente que for. É verdade que o local de nascimento do romance noir são os Estados Unidos da época da Depressão, onde a incerteza, a insegurança e o medo em relação ao amanhã eram enormes. Quis transpor esse ambiente às nossas realidades.

Folha - O que quis acrescentar a essa fórmula?
Serrano -
Talvez o elemento mais específico da literatura latino-americana que trouxe para o livro seja justamente o forte peso do nosso passado. Os protagonistas do romance noir são naturalmente anti-heróis. Na América Latina, esses anti-heróis carregam também o legado de sua história e, graças a ele, podem enfrentar situações difíceis com galhardia.
Em seus corações aparentemente tão duros, guardam um pouco de ilusão, que lhes foi ensinada, inevitavelmente, pelo passado, que é sempre um pouco político e um pouco ideológico.

Folha - O conceito de feminismo e de literatura feminista hoje em dia ganhou uma conotação pejorativa. Qual é sua opinião sobre isso?
Serrano -
Considero-me feminista e, como este conceito tem sido satanizado, me apresso em explicar que entendo o feminismo como um novo humanismo. Nunca me defini como "escritora feminista", temo que fazê-lo me levaria a uma literatura panfletária. Foi uma opção o fato de que o gênero a que pertenço passasse a abarcar a minha escrita.

Folha - Que pensa das três crises mais graves que vive a América Latina hoje, a venezuelana (com o turbulento governo de Chávez), a argentina (com a instabilidade econômica) e a colombiana (com a guerrilha e o narcotráfico)?
Serrano -
Vivemos uma das piores etapas de nossa história. E os três exemplos que aponta resumem o drama atual. Mas acho que a história recente desconstruiu os mitos construídos pelos ultraliberais. Agora o terreno está de novo livre e é possível voltar a pensar em projetos nacionais.


NOSSA SENHORA DA SOLIDÃO.
Autora: Marcela Serrano. Tradução: Paulina Watch e Ari Roitman. Editora: Record. Preço: R$ 28 (172 págs).



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