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CRÍTICA
Edição respeita complexidade do original chinês
CHEN TSUNG JYE
ESPECIAL PARA A FOLHA
Nessa atmosfera de pós-modernismo em que as
possibilidades de interpretação
estão indefinidas, é quase um
paradoxo tratar de um autor
como Laozi (Lao Tzu nas traduções anteriores), o primeiro
que rejeita a urbanização nascente e seu projeto tecnológico.
No caso de seu "Dao De Jing"
("Tao te King") -editado pela
Hedra em tradução do original
chinês-, podemos pensar em
uma pluralidade de significados análogos que se refletem
em pontos de vista diferentes.
Uma vez que a língua chinesa, principalmente a escrita
clássica, é bem mais concisa e
muito menos precisa e simbolicamente mais abrangente que a
portuguesa, a tradução deve
procurar não adquirir mais clareza e precisão de expressão do
que o original. Isso se aplica
ainda mais no caso de Laozi.
As três regras da tradução:
transcrever o pensamento do
original, manter o estilo, apresentar as facilidades e dificuldades do original, não devem
ser tão rígidas quando os contextos culturais são diferentes.
Essa tradução de Mario Sproviero procurou respeitar essas
regras, e creio que na medida
do possível conseguiu.
Um dos aspectos bem cuidados foi a preferência pelos termos concretos. O chinês, em
vez de usar termos como "espírito e matéria", "mundo invisível e mundo visível", usa simplesmente "céu e terra". A palavra "dao", por exemplo, quer
dizer "curso", "caminho", "discorrer", "escrever", "dizer" etc.
O conhecimento do contexto
histórico evita erros. No capítulo quatro, por exemplo, a última sentença soa: "Eu não sei
de quem é filho, afigura-se o
anterior do ancestral". Muitos
chegam a traduzir o final como
"O Dao é anterior a Deus", no
sentido de que o absoluto impessoal precede o pessoal. Ora,
no texto de Laozi, compara-se
o Dao a um pai, a um filho etc.
Di era o deus da dinastia
Shang (1523-1028 a.C.) enquanto Tian era o deus da dinastia Zhou (1028-256 a.C.). Na
decadência da dinastia Shang
houve um processo de divinização dos ancestrais; por isso,
Deus veio a denominar-se
Shang Di, o Deus do Alto, o Altíssimo, para diferenciá-lo do
ancestral também divino.
Além disso, na tentativa de fundamentar o império chinês, na
dinastia Qin (256-206 a.C.), o
ancestral divinizado foi usado
para denominar o imperador.
É contra esse uso que Laozi
dirige sua crítica. O autor era
contra a urbanização, não contra o culto dos antepassados,
mas contra seu uso para a sacramentalização do império.
Por isso, a própria palavra
"dao", usada até então como
caminho moral ou de perfeição, foi usada pela primeira vez
para indicar o Absoluto, Deus.
Uma das idéias mais interessantes do livro está no capítulo
15, em que se nota uma diferença básica entre o pensamento
taoísta e o grego e ocidental.
Desde Heráclito, a vida está relacionada com a luta: viver é lutar, competir etc. O que Laozi
propõe é que a paz é vida, e a luta é morte. No taoísmo, o modelo é a gestação da vida. Assim
o Dao gera e depois contempla
com satisfação o que gerou.
Nesse momento em que a
China emerge no mundo, seu
passado se integra ao presente
histórico global. Seria desejável
assim dispormos em português dos escritos confucianos
com esse mesmo tratamento.
Dao De Jing
Autor: Laozi
Tradutor: Mario Bruno Sproviero
Editora: Hedra
Quanto: R$ 42 (342 pág.)
Chen Tsung Jye é professor do Departamento de Língua e Literatura
Chinesa da FFLCH/USP.
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