COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Renato Godá abre seu novo disco, "Canções para Embalar Marujos", encarando temporais e enfrentando marginais, brigando em bares e saqueando corações. Pouco adiante, afirma a vida errante, entregue a qualquer paixão, à deriva nos sonhos prometidos. É ainda pecador confesso, herói de botequim, roubando flores pelos jardins. E se assume: imoral, indecente, fumando e bebendo demais, sem talento pra ser genial -um clichê, afinal.
O cantor é um personagem, e suas canções são crônicas de um universo específico. A forma é clara: banjos e sanfonas, violões e pianos, fanfarras e cabarés, folk e chanson francesa; pose de Serge Gainsbourg, olhar de Leonard Cohen, voz rouca de Tom Waits e ritmos um-dois de acompanhar batendo o pé no chão. O conteúdo, ainda mais claro: interessantes influências de poetas malditos e compositores desgarrados -e talvez melhores se fossem mais ponto de partida do que começo, meio e fim.
Suas canções esbanjam simplicidade, com a função de emular um estilo de vida, e nisso Godá é eficiente -não há qualquer dúvida sobre o que ele está dizendo. O charme é algo forçado, mas de clareza exemplar, sem qualquer segundo sentido ou complexidade temática. Ele fuma do começo ao fim, sempre acompanhado de um café ou de uma garrafa, de paletó surrado e olhar blasé, escrevendo ideias em guardanapos ou tocando um piano de teclas gastas.
Com sua autolouvação, seus "me deixa ser seu latin lover" e citações a Rimbaud, Foucault e Truffaut, Godá pode soar um xavequeiro de mão um pouco pesada. Já conhecemos o vagabundo elegante, o canalha romântico, o boêmio trovador de cabelo calculadamente desarrumado. Não é a mais original das imagens, mas é em carne e osso de Renato Godá -esse é seu personagem de si mesmo, esse é seu assunto, é isso que fuma, bebe, vive. Como cantor, Renato Godá é um bom ator.

(RONALDO EVANGELISTA)