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AS TRÊS IRMÃS
Produtora "importou' atores de São Paulo
da enviada ao Rio
Na entrada do teatro do Leblon,
no Rio, um vendedor de doces avisa as pessoas na fila: "São duas horas e meia de peça. Sem balinha,
não dá!". Lá dentro 11 atores "insistem", diriam alguns, em apresentar "As Três Irmãs", do russo
Anton Tchecov.
O espetáculo, que estréia em São
Paulo no próximo dia 12, se detém
em cinco anos da vida de três irmãs, Olga (Julia Lemmertz), Macha (Maria Padilha) e Irina (Cláudia Abreu). Nesse período, não
acontece nada...
Todos os sonhos das moças
-principalmente, sair da pequena
província e ir para Moscou- vão
sendo deixados para trás. Para
muita gente, um texto quase impossível de ser encenado.
Não é o que acha Maria Padilha,
experiente atriz de teatro ("A Falecida"), cinema ("Os Matadores") e
televisão. Apaixonada desde os 20
anos pela obra do médico russo
que trocou os doentes pela escrita,
Padilha decidiu ela mesma produzir a montagem.
"Convidei diversos atores, mas
todos recusaram minha proposta
dizendo que era um texto sem
ação", disse à Folha. Para completar o elenco, acabou "importando"
três atores de São Paulo: Celso Frateschi, Débora Duboc e Luciano
Chirolli (leia texto ao lado).
Para dirigir a peça, ela chamou
um jovem artista, Enrique Diaz
("A Bao a Qu"), da Companhia dos
Atores -que enfrenta pela primeira vez um "texto clássico".
O passo inicial do diretor foi evitar, a todo custo, a criação de uma
"linguagem cênica". E, principalmente, trabalhar o que há de humano nos personagens.
"A beleza de Tchecov é que ele fala de desejos, fracassos e frustrações inerentes ao homem. E o mais
bonito é que o autor mostra que esses sonhos e decadências vão continuar existindo", diz.
Quase não há cenários. Uma cadeira aqui, um samovar (espécie
de bule usado para ferver e manter
quente o chá) ali.
Preocupação em evitar o tédio
que várias montagens de Tchecov
provocam na platéia? "Não dei importância para isso. Tentei ser o
mais humilde possível. E Tchecov
é tão brilhante que mesmo a melhor montagem de um texto dele
ainda vai ser pouco."
"As Três Irmãs" acontece em
quatro atos. O primeiro se passa ao
meio-dia, o segundo, às 20h, o terceiro, às 3h, e o último, ao meio-dia
novamente. Em um período de
cinco anos, ciclicamente.
²
O tempo
Se, no início, o que se vê são rostos felizes e vidas cheias de esperança, ao longo da peça tudo vai
desmoronando, bem devagar. É o
fim do século 19, a decadência da
nobreza, o dia que não passa.
Para piorar, as três irmãs, cultas,
finas, bem-educadas, gastam a vida no interior da Rússia, pensando
em se mudar para a capital.
"Todos ficam sonhando com o
futuro e relembrando o passado de
tal forma que não são capazes de lidar com o presente", afirma Julia
Lemmertz, a irmã mais velha.
Apesar de o título dar crédito
apenas à trinca de mulheres, "As
Três Irmãs" não possui um protagonista definido. Há um irmão,
Andrei, tão fracassado quanto o
resto, e sua esposa, Natacha, pessoa pouco refinada. E, ainda, um
médico que largou a medicina (como Tchecov), uma serviçal octogenária, um professor.
Mas, se existe uma ação, é quando chega à pequena cidade o comandante Verchinin (Frateschi).
Causando frisson nas jovens românticas, termina por ter um caso
com a única delas que é casada,
Macha (Padilha).
Assim como as moças nunca vão
a Moscou, ele também não larga a
esposa doente por seu amor por
Macha. Mais uma vez, a vida e os
sonhos passam.
"Ao mesmo tempo que Tchecov
o trata como um canalha, mostra
para a platéia que o comandante é
corajoso, que não deixou a mulher
nem os filhos. É uma obra muito
sutil, rica em detalhes e diversidades", diz Frateschi-Verchinin.
Maria Padilha admite: "Provoca
muito medo montar Tchecov, medo de que aquilo não vai interessar
a ninguém do público...". "Não dá
para fazer Tchecov impunemente", completa Frateschi.
(ERIKA SALLUM)
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