São Paulo, segunda, 1 de março de 1999

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AS TRÊS IRMÃS
Produtora "importou' atores de São Paulo

da enviada ao Rio

Na entrada do teatro do Leblon, no Rio, um vendedor de doces avisa as pessoas na fila: "São duas horas e meia de peça. Sem balinha, não dá!". Lá dentro 11 atores "insistem", diriam alguns, em apresentar "As Três Irmãs", do russo Anton Tchecov.
O espetáculo, que estréia em São Paulo no próximo dia 12, se detém em cinco anos da vida de três irmãs, Olga (Julia Lemmertz), Macha (Maria Padilha) e Irina (Cláudia Abreu). Nesse período, não acontece nada...
Todos os sonhos das moças -principalmente, sair da pequena província e ir para Moscou- vão sendo deixados para trás. Para muita gente, um texto quase impossível de ser encenado.
Não é o que acha Maria Padilha, experiente atriz de teatro ("A Falecida"), cinema ("Os Matadores") e televisão. Apaixonada desde os 20 anos pela obra do médico russo que trocou os doentes pela escrita, Padilha decidiu ela mesma produzir a montagem.
"Convidei diversos atores, mas todos recusaram minha proposta dizendo que era um texto sem ação", disse à Folha. Para completar o elenco, acabou "importando" três atores de São Paulo: Celso Frateschi, Débora Duboc e Luciano Chirolli (leia texto ao lado).
Para dirigir a peça, ela chamou um jovem artista, Enrique Diaz ("A Bao a Qu"), da Companhia dos Atores -que enfrenta pela primeira vez um "texto clássico".
O passo inicial do diretor foi evitar, a todo custo, a criação de uma "linguagem cênica". E, principalmente, trabalhar o que há de humano nos personagens.
"A beleza de Tchecov é que ele fala de desejos, fracassos e frustrações inerentes ao homem. E o mais bonito é que o autor mostra que esses sonhos e decadências vão continuar existindo", diz.
Quase não há cenários. Uma cadeira aqui, um samovar (espécie de bule usado para ferver e manter quente o chá) ali.
Preocupação em evitar o tédio que várias montagens de Tchecov provocam na platéia? "Não dei importância para isso. Tentei ser o mais humilde possível. E Tchecov é tão brilhante que mesmo a melhor montagem de um texto dele ainda vai ser pouco."
"As Três Irmãs" acontece em quatro atos. O primeiro se passa ao meio-dia, o segundo, às 20h, o terceiro, às 3h, e o último, ao meio-dia novamente. Em um período de cinco anos, ciclicamente.
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O tempo Se, no início, o que se vê são rostos felizes e vidas cheias de esperança, ao longo da peça tudo vai desmoronando, bem devagar. É o fim do século 19, a decadência da nobreza, o dia que não passa.
Para piorar, as três irmãs, cultas, finas, bem-educadas, gastam a vida no interior da Rússia, pensando em se mudar para a capital.
"Todos ficam sonhando com o futuro e relembrando o passado de tal forma que não são capazes de lidar com o presente", afirma Julia Lemmertz, a irmã mais velha.
Apesar de o título dar crédito apenas à trinca de mulheres, "As Três Irmãs" não possui um protagonista definido. Há um irmão, Andrei, tão fracassado quanto o resto, e sua esposa, Natacha, pessoa pouco refinada. E, ainda, um médico que largou a medicina (como Tchecov), uma serviçal octogenária, um professor.
Mas, se existe uma ação, é quando chega à pequena cidade o comandante Verchinin (Frateschi). Causando frisson nas jovens românticas, termina por ter um caso com a única delas que é casada, Macha (Padilha).
Assim como as moças nunca vão a Moscou, ele também não larga a esposa doente por seu amor por Macha. Mais uma vez, a vida e os sonhos passam.
"Ao mesmo tempo que Tchecov o trata como um canalha, mostra para a platéia que o comandante é corajoso, que não deixou a mulher nem os filhos. É uma obra muito sutil, rica em detalhes e diversidades", diz Frateschi-Verchinin.
Maria Padilha admite: "Provoca muito medo montar Tchecov, medo de que aquilo não vai interessar a ninguém do público...". "Não dá para fazer Tchecov impunemente", completa Frateschi.
(ERIKA SALLUM)



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