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FESTIVAL DE RECIFE
"Rap do Pequeno Príncipe", de Paulo Caldas, estréia hoje
Documentário opõe rapper
a matador profissional
MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha
Helinho é um garoto que tem 44
homicídios confessos em seu currículo. Seu apelido: Pequeno
Príncipe. Notório "justiceiro" de
Camaragibe, periferia de Recife
(PE), ele começou a matar aos 17
anos. É admirado pela comunidade, que fez passeatas e correu um
abaixo-assinado após a sua prisão, em 1998, aos 21 anos, pedindo a sua libertação.
Essa versão contemporânea
(distorcida?) do mito de Lampião
é um dos temas do documentário
"O Rap do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas", longa de 75
minutos que estréia hoje, em Recife, no encerramento do festival
de cinema da cidade.
O filme foi realizado em 16 mm
(será exibido em 35 mm) pelos diretores Paulo Caldas, 35, de "Baile
Perfumado" (que faturou 18 prêmios, inclusive o de melhor filme
do Festival de Brasília, em 1996), e
Marcelo Luna, 35 -ambos já dirigiram juntos o documentário
"Ópera Cólera", em 1992.
A ponte que une e separa o matador Helinho e um rapper do
mesmo bairro, Garnisé, é o eixo
narrativo do documentário. Ambos cresceram numa das regiões
mais violentas do país. O músico
usa o rap como arma. O matador
usa um 38.
Espera lá. Rap, em Recife? "Recife tem rap, tem tudo. Recife é diversidade. Garnisé diz que o rap
começou em Recife e veio da embolada", conta Caldas.
Garnisé é José Alexandre dos
Santos de Oliveira, baterista da
banda de rap Faces do Subúrbio,
que tem tatuadas nas costas as figuras de Malcom X, Martin Luther King e Che Guevara. É ele
quem conduz o documentário,
que não tem narrador, texto ou
locução e é pontuado pelo rap.
"A única sequência inventada é
uma perseguição com câmera
subjetiva. Não é uma narrativa
clássica. Montamos o documentário em cima de personagens
reais", explica Luna.
Entre os personagens reais, estão a mãe de Helinho, um delegado, uma fotógrafa de um jornal
popular, um advogado criminalista, presidiários, matadores encapuzados, radialistas e rappers.
Entre estes, o paulista Mano
Brown, que deu uma entrevista
depois de um show que fez em
Recife.
"Filmamos num helicóptero.
Nunca tinha visto Recife do alto.
Quase não tem morro. A classe
média não tem idéia do tamanho
da cidade. É uma realidade bem
diferente da do pernambucano
folclorizado. Há bailes funk, diversão e violência", diz Caldas.
"No bairro Alto Zé do Pinho,
também na periferia, existem 40
bandas de rap. Antes, o bairro só
saía nas páginas policiais. Hoje,
sai nas páginas culturais. O rap é
uma saída para eles, que não se
identificam com o movimento
mangue beat. Eles dizem que
mangue não dá no morro", explica Luna.
A idéia para o documentário
nasceu depois que o matador Hélio José Muniz, o Helinho, deu
uma entrevista em que afirmava
que "matar é como beber água".
"Helinho não é de um grupo de
extermínio. Há uma guerra na comunidade. Ele é um herói, que
matava as almas sebosas. E ele
nunca entregou um parceiro",
afirma Caldas. "Almas sebosas" é
a expressão utilizada para designar os que cometem delitos contra a própria comunidade.
"Helinho se considera um guardião da sociedade, reflexo da impunidade, em que não há limite
ético. Ele disse: "Se eu não tivesse
matado muita gente safada, muita
gente inocente teria morrido'",
diz Caldas.
"Camaragibe, a 20 quilômetros
de Recife, quase não tem organização social. Em alguns finais de
semana, morrem de 40 a 50 pessoas, entre 17 e 25 anos. São números assustadores", conta Luna.
"Somos contra fazer justiça com
as próprias mãos. Mas, lá, é matar
ou morrer. Eles vivem a vida por
um fio. Vivem um radicalismo
sem ideologia. Se tiverem uma liderança organizada, vai haver
uma guerra social. Existe um
exército armado nas periferias do
Brasil", afirma Caldas.
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