São Paulo, sábado, 01 de abril de 2000


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FESTIVAL DE RECIFE
"Rap do Pequeno Príncipe", de Paulo Caldas, estréia hoje
Documentário opõe rapper a matador profissional

MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha

Helinho é um garoto que tem 44 homicídios confessos em seu currículo. Seu apelido: Pequeno Príncipe. Notório "justiceiro" de Camaragibe, periferia de Recife (PE), ele começou a matar aos 17 anos. É admirado pela comunidade, que fez passeatas e correu um abaixo-assinado após a sua prisão, em 1998, aos 21 anos, pedindo a sua libertação.
Essa versão contemporânea (distorcida?) do mito de Lampião é um dos temas do documentário "O Rap do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas", longa de 75 minutos que estréia hoje, em Recife, no encerramento do festival de cinema da cidade.
O filme foi realizado em 16 mm (será exibido em 35 mm) pelos diretores Paulo Caldas, 35, de "Baile Perfumado" (que faturou 18 prêmios, inclusive o de melhor filme do Festival de Brasília, em 1996), e Marcelo Luna, 35 -ambos já dirigiram juntos o documentário "Ópera Cólera", em 1992.
A ponte que une e separa o matador Helinho e um rapper do mesmo bairro, Garnisé, é o eixo narrativo do documentário. Ambos cresceram numa das regiões mais violentas do país. O músico usa o rap como arma. O matador usa um 38.
Espera lá. Rap, em Recife? "Recife tem rap, tem tudo. Recife é diversidade. Garnisé diz que o rap começou em Recife e veio da embolada", conta Caldas.
Garnisé é José Alexandre dos Santos de Oliveira, baterista da banda de rap Faces do Subúrbio, que tem tatuadas nas costas as figuras de Malcom X, Martin Luther King e Che Guevara. É ele quem conduz o documentário, que não tem narrador, texto ou locução e é pontuado pelo rap.
"A única sequência inventada é uma perseguição com câmera subjetiva. Não é uma narrativa clássica. Montamos o documentário em cima de personagens reais", explica Luna.
Entre os personagens reais, estão a mãe de Helinho, um delegado, uma fotógrafa de um jornal popular, um advogado criminalista, presidiários, matadores encapuzados, radialistas e rappers. Entre estes, o paulista Mano Brown, que deu uma entrevista depois de um show que fez em Recife.
"Filmamos num helicóptero. Nunca tinha visto Recife do alto. Quase não tem morro. A classe média não tem idéia do tamanho da cidade. É uma realidade bem diferente da do pernambucano folclorizado. Há bailes funk, diversão e violência", diz Caldas.
"No bairro Alto Zé do Pinho, também na periferia, existem 40 bandas de rap. Antes, o bairro só saía nas páginas policiais. Hoje, sai nas páginas culturais. O rap é uma saída para eles, que não se identificam com o movimento mangue beat. Eles dizem que mangue não dá no morro", explica Luna.
A idéia para o documentário nasceu depois que o matador Hélio José Muniz, o Helinho, deu uma entrevista em que afirmava que "matar é como beber água".
"Helinho não é de um grupo de extermínio. Há uma guerra na comunidade. Ele é um herói, que matava as almas sebosas. E ele nunca entregou um parceiro", afirma Caldas. "Almas sebosas" é a expressão utilizada para designar os que cometem delitos contra a própria comunidade.
"Helinho se considera um guardião da sociedade, reflexo da impunidade, em que não há limite ético. Ele disse: "Se eu não tivesse matado muita gente safada, muita gente inocente teria morrido'", diz Caldas.
"Camaragibe, a 20 quilômetros de Recife, quase não tem organização social. Em alguns finais de semana, morrem de 40 a 50 pessoas, entre 17 e 25 anos. São números assustadores", conta Luna.
"Somos contra fazer justiça com as próprias mãos. Mas, lá, é matar ou morrer. Eles vivem a vida por um fio. Vivem um radicalismo sem ideologia. Se tiverem uma liderança organizada, vai haver uma guerra social. Existe um exército armado nas periferias do Brasil", afirma Caldas.


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