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"O RAP DO PEQUENO PRÍNCIPE"
Guerra social invisível se manifesta na tela
especial para a Folha
A onda agora é documentário.
Por quê? Porque é mais barato
-está difícil captar recursos por
meio das leis de incentivo, depois
de alguns investimentos de qualidade e administração duvidosas- e mantém a indústria aquecida.
"Sempre teve documentário. O
que houve foi um refluxo. A Lei
do Audiovisual apareceu, todos
fizeram filmes que estavam na gaveta, veio muita gente nova, e estava na hora de os documentários
surgirem", diz Clélia Bessa, produtora de "O Rap do Pequeno
Príncipe contra as Almas Sebosas" e "Como Ser Solteiro".
"O retorno do documentário
começou com o filme "Cineasta
da Selva". Agora, a média das produtoras é de dois filmes de ficção
para um documentário. Quando
havia poucos filmes, foi o momento dos curtas. Agora, que secou o dinheiro das leis, o documentário forma gerações", completa Bessa.
Outra explicação plausível para
a quantidade de documentários é
a tendência de recontar a história
do Brasil e entender os dilemas do
país, que faz 500 anos. A desigualdade social e a impunidade refletem-se no aumento da violência
urbana, que destoa da visão utópica que Pero Vaz de Caminha teve ao desembarcar por aqui.
O cerco vai se fechando. Uma
horda de excluídos cinge as grandes cidades, naquilo que se designou periferia, sinônimo de violência e abandono. Uma nova cultura nasce de fora para dentro. Na
literatura, Paulo Lins, Ferréz e
Fernando Bonassi narram a guerra social invisível que se instalou
no Brasil.
No cinema, "Universo Paralelo", documentário inédito de
Maurício Eça, desvenda os segredos do Capão Redondo, enquanto "O Rap do Pequeno Príncipe
contra as Almas Sebosas" exibe as
contradições de uma festiva e folclórica Recife. Em ambos os filmes, o rap é citado como a arma
não violenta de uma guerra civil
não declarada.
Enquanto uma tomada aérea do
filme "Rap do Pequeno Príncipe"
exibe os bairros da periferia de
Recife, a letra da música "Salve",
dos Racionais, enumera os bairros periféricos de São Paulo, Rio
de Janeiro e Santos. O próprio
Mano Brown aparece no Zé do Pinho, reduto do movimento rap
pernambucano, apontando que
as periferias das duas cidades, Recife e São Paulo, são semelhantes.
O filme começa com um tambor. Grafites do movimento hip
hop formam os créditos. Um homem arrasta-se como um lagarto
para pagar uma promessa, em
uma procissão. Surge o rosto jovem, quase inocente, de Helinho,
o pequeno príncipe que matou 44
pessoas e cumpre pena no presídio Professor Aníbal Bruno. É um
garoto.
Sua mãe pede desculpas às
mães das vítimas. Ela diz: "Meu filho queria ser Deus. Mas nem
Deus deu jeito nos homens". "Alma sebosa, não aguentamos
mais!", canta a banda de rap Faces
do Subúrbio. "Alma sebosa não
serve para nada, é um inútil", diz
um matador, em entrevista.
"O Helinho achava que o papel
dele era o de limpar a sociedade.
Ele ficava indignado ao ver um estuprador tomando cerveja no boteco. É a mesma justificativa para
a criminalidade dos cangaceiros.
É o "escudo ético", termo criado
por Frederico de Mello, o maior
"cangaceirólogo" do Brasil. Por
exemplo, Lampião nunca matou
o sujeito que matou o seu pai, pois
não era esse o seu papel", explica
Paulo Caldas.
Mais uma vez, é Mano Brown
quem resume o sentimento da
periferia: "O Brasil vai demorar
mais 500 anos para ser uma nação". E o rapper Garnisé, que tatua o rosto de Guevara diante da
câmera, não mede as palavras:
"Estou aqui para defender os direitos do proletariado brasileiro".
Helinho diz, inconformado, em
entrevista: "Como posso eu estar
preso, enquanto um bando de sebosos está solto?".
Enquanto tais indivíduos não
desvendarem os verdadeiros sebosos, a elite brasileira faz a festa.
E é na periferia que nasce uma
cultura brasileira inconformada e
engajada, no mês em que se comemoram os 500 anos.
(MRP)
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