São Paulo, quinta-feira, 01 de abril de 2004

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GASTRONOMIA

Bate-papo sobre Martha

NINA HORTA
COLUNISTA DA FOLHA

-O quê? Não é que já marcaram para julho a condenação da Martha Stewart? Não consigo ver essa mulher na cadeia, fazendo fila, comendo em prato de ágate sem florzinha. Vai ficar doida ou reformar a cadeia de cabo a rabo.
-Quem? A Stewart bilionária, a louraça, a banqueteira e escritora e dona de revistas, a da TV?
-Ela mesmo. Os problemas da infeliz começaram quando vendeu sua participação em uma companhia farmacêutica em dezembro de 2001. E nem teve grande culpa, um corretor amigo, mui amigo, deixou a dica nos recados do telefone, ou no e-mail, ou nos dois, dica que ela nem havia pedido. Perto do Natal, ela viajando, deixou aquilo lá, ela nem viu. Quando viu, afobou-se, mas o pior foi que vendeu e nem precisava, era uma merreca perto da fortuna dela, nem ganhou nada com isso, se não é que perdeu.
-Mas me diga, o que essa mulher estava fazendo na Bolsa de Valores? O negócio dela não era fazer bolo de seis andares de casamento e encher tudo de borboletas incomíveis?
-...mais ou menos... ela estudou história da arquitetura, casou, teve uma filha, cuidou muito bem da casa, bem demais, garanto, e com aquela energia toda resolveu trabalhar na Bolsa, enfiou-se em Wall Street e acho que afiou as unhas lá...
-Eu lembro quando lançou o primeiro livro. Quase que tive de voltar para o analista. Tudo dela era melhor do que o meu. As couves da horta tinham folhas de meio metro, os girassóis dariam vergonha a Van Gogh e, ainda por cima, vendeu milhões, milhões de exemplares.
-Pois foi aí, logo depois que inventou ser a banqueteira perfeita, que se deu a confusão. Imediatamente começou a ser amada e odiada, ou as duas coisas ao mesmo tempo. Ela própria era seu logo e sua inspiração. Entendeu o veio de ouro sem fundo que era a domesticidade e transformou sua vida de todo dia em "big business".
-É, com certeza era a última mulher americana que se lembrava do que era comida feita em casa, roupa passada e lavada, de algodão, branquinha, e levantava uma onda de nostalgia, a cada babado que punha nas prateleiras.
-Pode ser. Confundiu um pouco a cabeça das mulheres americanas. Afinal elas ali, saindo do trabalho do escritório, indo pegar as crianças de nariz escorrendo na escola, o trânsito impossível. Elas, que haviam se livrado do fogão, ligavam o rádio do carro e lá estava a inimiga que voltara às lides caseiras, fazendo bolo de fubá para tomar com as amigas, regando o jardim ao pôr-do-sol. Duro de agüentar.
-Acontece que não souberam interpretar direito a mensagem de Martha. A mensagem era o que fazia, não as fotos de revista. Algumas entenderam que queria passar uma idéia de mulher dos anos 50 fantasiada de novo século, o que seria uma mensagem fraudulenta, pressionando as mulheres a alcançar uma perfeição nada possível sem um bando de auxiliares, como era o caso dela.
-Mas a Martha sempre contestou essa imagem. Estava servindo a um desejo, não só dela, mas de todas as donas-de-casa, de elevar o status do serviço caseiro, fazê-lo mais bonito, pelo menos, pois a casa andava à deriva, ninguém mais queria saber dela. Todas queriam escapar, sair do tal de lar, conseguir aquele emprego bem remunerado e pagar uma empregada para fazer a pipoca e os hambúrgueres.
-Sempre pensei que ela queria mostrar que, se você fizesse bem um pote de geléia, poderia vender 1 milhão deles e ficar rica, a velha mensagem americana.
-Pois era isso mesmo. Mostrou a possibilidade do bom gosto e a possibilidade de sair de casa, de se unir ao mercado de trabalho dos homens, com as armas que tradicionalmente pertenciam à mulher. Ela própria, acreditando nesses valores, tinha só como participação pessoal na sua firma US$ 164 milhões...
-Ah, então foi olho gordo, foi inveja, imagine uma mulher sozinha amealhar isto em menos de 20 anos, e ainda por cima magra e loira e bonita! Sai para lá!!
-Também acho, foi demais para o caminhãozinho da mulherada e dos homens também. E ainda inventou de pregar uma mentira aos promotores públicos, industriada pelos advogados, pelo jeito ela podia ter matado a mãe que não pegava pena, mas mentir para o governo, sabe como é americano. Ela chegou a pegar o advogado do Bill Clinton para escapar dessa!
-Que Deus a ajude e que ressurja como fênix se não tiver culpa, mas o que eu quero ver mesmo é o livro que vai sair, com certeza, as presas de macacão azul bebê fazendo o jardim mais lindo da América e comendo muffins de nozes no café da manhã!

ninahort@uol.com.br


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