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GASTRONOMIA
Bate-papo sobre Martha
NINA HORTA
COLUNISTA DA FOLHA
-O quê? Não é que já
marcaram para julho
a condenação da Martha Stewart?
Não consigo ver essa mulher na
cadeia, fazendo fila, comendo em
prato de ágate sem florzinha. Vai
ficar doida ou reformar a cadeia
de cabo a rabo.
-Quem? A Stewart bilionária,
a louraça, a banqueteira e escritora e dona de revistas, a da TV?
-Ela mesmo. Os problemas da
infeliz começaram quando vendeu sua participação em uma
companhia farmacêutica em dezembro de 2001. E nem teve grande culpa, um corretor amigo, mui
amigo, deixou a dica nos recados
do telefone, ou no e-mail, ou nos
dois, dica que ela nem havia pedido. Perto do Natal, ela viajando,
deixou aquilo lá, ela nem viu.
Quando viu, afobou-se, mas o
pior foi que vendeu e nem precisava, era uma merreca perto da
fortuna dela, nem ganhou nada
com isso, se não é que perdeu.
-Mas me diga, o que essa mulher estava fazendo na Bolsa de
Valores? O negócio dela não era
fazer bolo de seis andares de casamento e encher tudo de borboletas incomíveis?
-...mais ou menos... ela estudou história da arquitetura, casou, teve uma filha, cuidou muito
bem da casa, bem demais, garanto, e com aquela energia toda resolveu trabalhar na Bolsa, enfiou-se em Wall Street e acho que afiou
as unhas lá...
-Eu lembro quando lançou o
primeiro livro. Quase que tive de
voltar para o analista. Tudo dela
era melhor do que o meu. As couves da horta tinham folhas de
meio metro, os girassóis dariam
vergonha a Van Gogh e, ainda por
cima, vendeu milhões, milhões de
exemplares.
-Pois foi aí, logo depois que inventou ser a banqueteira perfeita,
que se deu a confusão. Imediatamente começou a ser amada e
odiada, ou as duas coisas ao mesmo tempo. Ela própria era seu logo e sua inspiração. Entendeu o
veio de ouro sem fundo que era a
domesticidade e transformou sua
vida de todo dia em "big business".
-É, com certeza era a última
mulher americana que se lembrava do que era comida feita em casa, roupa passada e lavada, de algodão, branquinha, e levantava
uma onda de nostalgia, a cada babado que punha nas prateleiras.
-Pode ser. Confundiu um
pouco a cabeça das mulheres
americanas. Afinal elas ali, saindo
do trabalho do escritório, indo
pegar as crianças de nariz escorrendo na escola, o trânsito impossível. Elas, que haviam se livrado
do fogão, ligavam o rádio do carro
e lá estava a inimiga que voltara às
lides caseiras, fazendo bolo de fubá para tomar com as amigas, regando o jardim ao pôr-do-sol.
Duro de agüentar.
-Acontece que não souberam
interpretar direito a mensagem de
Martha. A mensagem era o que
fazia, não as fotos de revista. Algumas entenderam que queria passar uma idéia de mulher dos anos
50 fantasiada de novo século, o
que seria uma mensagem fraudulenta, pressionando as mulheres a
alcançar uma perfeição nada possível sem um bando de auxiliares,
como era o caso dela.
-Mas a Martha sempre contestou essa imagem. Estava servindo
a um desejo, não só dela, mas de
todas as donas-de-casa, de elevar
o status do serviço caseiro, fazê-lo
mais bonito, pelo menos, pois a
casa andava à deriva, ninguém
mais queria saber dela. Todas
queriam escapar, sair do tal de lar,
conseguir aquele emprego bem
remunerado e pagar uma empregada para fazer a pipoca e os hambúrgueres.
-Sempre pensei que ela queria
mostrar que, se você fizesse bem
um pote de geléia, poderia vender
1 milhão deles e ficar rica, a velha
mensagem americana.
-Pois era isso mesmo. Mostrou a possibilidade do bom gosto
e a possibilidade de sair de casa,
de se unir ao mercado de trabalho
dos homens, com as armas que
tradicionalmente pertenciam à
mulher. Ela própria, acreditando
nesses valores, tinha só como participação pessoal na sua firma
US$ 164 milhões...
-Ah, então foi olho gordo, foi
inveja, imagine uma mulher sozinha amealhar isto em menos de
20 anos, e ainda por cima magra e
loira e bonita! Sai para lá!!
-Também acho, foi demais
para o caminhãozinho da mulherada e dos homens também. E
ainda inventou de pregar uma
mentira aos promotores públicos,
industriada pelos advogados, pelo jeito ela podia ter matado a mãe
que não pegava pena, mas mentir
para o governo, sabe como é americano. Ela chegou a pegar o advogado do Bill Clinton para escapar
dessa!
-Que Deus a ajude e que ressurja como fênix se não tiver culpa, mas o que eu quero ver mesmo é o livro que vai sair, com certeza, as presas de macacão azul
bebê fazendo o jardim mais lindo
da América e comendo muffins
de nozes no café da manhã!
ninahort@uol.com.br
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