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MÚSICA
Grupo, que possui em sua formação a badalada dupla de produtores The Neptunes, lança segundo trabalho
N*E*R*D apaga linha entre rock e hip hop
ALEXANDRE MATIAS
FREE-LANCE PARA A FOLHA
De um ponto de vista, eles voltaram e não estão satisfeitos com o
que estão ouvindo. De outro, eles
nunca foram embora e se esforçam para acelerar alguns processos que vêem como inevitáveis na
evolução de seu campo de ação.
Ambas as facetas se completam:
se por um lado são uma banda de
rock nada ortodoxa, por outro
são os produtores mais requisitados do mercado. Imagine se o Radiohead pudesse realmente ser o
Aphex Twin -e, ao mesmo tempo, uma dupla de hip hop.
Estes são Chad Hugo e Pharrell
Williams, que, ao lado de seu velho amigo de infância Shay, formam o N*E*R*D, grupo que lança seu segundo disco, o virulento
"Fly or Die". Sem Shay, os dois
também são conhecidos como
Neptunes, codinome que usam
para reinventar o pop radiofônico
neste início de século.
São eles os responsáveis por faixas-chave na atual psicogeografia
da música popular do planeta, como "I'm a Slave 4 U" (Britney
Spears), "Beautiful" (Snoop
Doggy Dogg), "Hot in Here"
(Nelly) e "Señorita" (Justin Timberlake). Uma assinatura sonora
menosprezada até por eles mesmos, que batizaram sua primeira
coletânea como "Clones", escancarando que a saturação em relação ao próprio som começou
dentro de casa.
Daí o projeto paralelo
N*E*R*D, em que os dois podem
explorar novas fronteiras sônicas.
"In Search of...", de 2002, é um
dos álbuns do século 21 que menos foram levados a sério. Mas, se
"In Search of..." pregava um hedonismo sem culpa e a celebração
dos hormônios adolescentes num
disco de festa que não parece respeitar fronteiras entre hip hop,
rock e soul, "Fly or Die" é menos
flexível. Composto sobre os pilares "rock" e "hip hop", o disco se
dispõe a agilizar a fusão entre os
gêneros em termos de mercado.
Parecem profetizar que a colisão entre o universo do Linkin
Park e Strokes e o de Jay-Z e Beyoncé é o caminho para a extinção do pop descartável produzido
pela indústria fonográfica. Olhando de perto, Eminem e Kurt Cobain são a mesma pessoa. Outkast
e White Stripes estão no mesmo
barco. Como nós.
Por isso o novo disco do trio soa
tão inflexível. É um passo para
trás em relação a "In Search of...",
mas é quase didático nesse sentido. Esquece o soul ensolarado de
"Things Are Getting Better" e a
melancolia blue de "Bobby James". Aqui o principal sentimento é o mesmo que move novos roqueiros e manos do hip hop para
fora de todas as noites: a apatia.
Ou melhor: "Fly or Die" briga
contra a apatia e a forma que ela é
manipulada sobre quem não sabe
direito o que quer da vida -independente da faixa etária. "Essa é
pra molecada! Só pra molecada!",
a faixa-título fecha a porta na cara
dos pais para uma conversa séria:
"Voar ou morrer / Afundar ou nadar/ O que devo fazer?".
Soando como se Stevie Wonder
fosse o parceiro de Billy Joe Armstrong no Green Day, quando cantam "eu não vou para a guerra",
em "Drill Sargeant", não estão
apenas criticando a Doutrina
Bush. Nem descrevem apenas
uma psicodelia sintética na otimista "Wonderful Place". Palavras não precisam ser tomadas literalmente, utopia e guerra são
metáfora para estados de espírito
que nos circundam diariamente.
"Fly or Die" soa como se o punk
dos anos 90 tivesse acontecido 20
anos antes, com a devida pompa e
ostentação que a década de 70 exigia. Mas cada audição descobre
uma nova camada de sutileza,
mais um ponto em comum entre
os tais pilares citados. Rock e hip
hop são bem mais parecidos do
que suas biografias podem supor.
Mais do que isso, diz o N*E*R*D,
é a mesma coisa. Vamos logo.
FLY OR DIE. Artista: N*E*R*D. Quanto:
R$ 70, em média (importado). Onde
encontrar: www.amazon.com.
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