São Paulo, sexta-feira, 01 de abril de 2005

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Com "Antics", Interpol extrapola os limites da cena musical de Nova York

A arte da FUGA

KEVIN HARLEY
DO "INDEPENDENT"

O Interpol não poderia estar mais composto, hoje. E isso não é apenas porque chegaram à entrevista usando os devidos ternos e botas, como se caíssem da cama e já estivessem prontos para a passarela. A banda lança seu segundo álbum, "Antics", e tem bons motivos para se sentir confiante. Os últimos dois anos viram seu álbum de estréia, "Turn on the Bright Lights", ganhar popularidade: o REM gravou uma de suas canções ("NYC"), e Robert Smith, do Cure, os convidou para tocar no festival Curiosa, nos EUA.
Como é comum no caso de segundos álbuns, "Antics" é um teste sobre como a banda reage ao sucesso do disco de estréia. Para resumir, o melhor é não reagir: "Antics" é um disco repleto de viradas ambiciosas e complexas, baseadas em um enérgico pós-punk, com resultado superior.
Os integrantes concordam que o trabalho fluiu de maneira suave. "Não creio que tenha havido qualquer preocupação quanto a descobrir uma maneira de nos superarmos", diz Paul Banks.
O contraste entre os integrantes é evidente -da aparência confiante, de ídolo das matinês, do guitarrista Daniel Kessler à ousadia e elegância à maneira Weimar do baixista Carlos D., passando pela afabilidade bem-vestida do baterista Sam Fogarino e pela intensidade oscilante de Banks. Isso os torna o epítome de uma banda auto-suficiente.
Kessler e Carlos D. formaram o Interpol na Universidade de Nova York em 1998, quando o guitarrista expressou admiração pelas botas que o baixista estava calçando. Uma cena que se repetiu muitas vezes. Tanto a banda quanto as botas começaram a atrair mais a atenção em 2001, quando o sucesso do grupo Strokes fez com que a imprensa passasse a apontar NY como epicentro do que havia de melhor no rock. O Interpol não soa nada parecido com a banda de Julian Casablancas e companhia, mas, muitas vezes, termina incluído no mesmo pacote, como se fossem os irmãos mais velhos, sérios e inteligentes dos líderes da nova cena musical da cidade.
"Antics" coloca a banda em posição para se tornar o grupo mais famoso da cidade. Não é uma conexão que a banda desdenhe, mas sabem que já transcenderam a condição de uma simples moda. "As pessoas me perguntavam se integrar a cena de NY me incomodava, e eu dizia que não, porque a cidade é ótima e há muitas bandas excelentes por lá. Nós ficamos felizes porque somos mencionados na companhia deles", diz Banks.
"Não sei se podemos nos considerar parte do movimento, agora, porque nunca estamos lá", acrescenta Fogarino. "A tal cena de NY, para mim, é algo que acontece antes que uma banda faça sucesso e saia em turnê pelo mundo. É como se tivéssemos nos diplomado. Não somos mais locais."
Em termos de localização da banda, os críticos optam por uma determinada era, como uma espécie de recuo às bandas nervosas do pós-punk, no começo dos anos 80, que pareciam ser reação à ansiedade daquele tempo (Thatcher, Reagan etc.), e também como reação a roqueiros inconseqüentes. "Talvez se deva à nossa capacidade de pegar no nervo. Nosso interesse em criar uma atmosfera talvez atraia as pessoas que precisam disso em um certo momento", diz Fogarino.
O Interpol prefere não comentar sobre sua suposta capacidade de capturar o timbre de nossa era. "Boa parte de nosso primeiro disco foi composto nos anos dourados de Clinton", afirma Banks. "Não estamos escrevendo em resposta ao fato de que as coisas estão degringolando. Talvez isso seja uma coincidência divertida. Talvez os artistas sejam estranhamente prescientes."
"Nos anos 80", diz Fogarino, "a situação envolvia não só as bandas inglesas politizadas, mas o punk da Califórnia, uma resposta aos anos Reagan. As coisas acontecem por um motivo. O que transcorre socialmente alimenta o que acontece artisticamente".
"Mas não somos uma banda política", diz Banks. "Temos opiniões relacionadas ao ambiente político, mas o Interpol não é um veículo para expressá-las. Para mim, a idéia é mais escapar disso. Escapar ao inescapável."
O que vem se provando inescapável para o Interpol é a bateria de comparações com o Joy Division, banda símbolo do pós-punk, baseadas na voz de Banks, que lembra Ian Curtis. "Antics", um disco multifacetado, talvez ponha fim a essa conversa, da mesma maneira que os remove de NY. "Sermos comparados incansavelmente a algo é incômodo quando você está tentando estabelecer uma identidade", diz Fogarino. "A principal fonte de influência para nós é interna: o que acontece em nossa vida, com a banda etc. É essa nossa fonte, não o Joy Division." Ele suspira. "E se eles pelo menos sacassem, perceberiam que imitamos o Queen. Não sei como as pessoas não percebem!"
E em termos de letra? "Creio que haja mais cores na palheta de coisas desagradáveis que incluo, melódica e tematicamente", diz Banks. "Mas isso, com sorte, é porque tenho uma visão de mundo um pouco mais sofisticada, porque estou um pouquinho mais velho. Não é que o disco seja necessariamente mais caloroso, mas há mais coisas nele."
Carlos D. provavelmente se sente mais confortável com o que a descrição "austero" implica do que com otimismo cru. "Preferiria ser chamado de austero", diz ele, "a ser visto como demasiadamente ornamentado. Não pretendo dizer que somos austeros, mas ela possibilita sutileza, nuance, discrição, coisas que creio importantes para a arte. Você não quer ser exagerado demais. A simplicidade sempre funciona bem".


Tradução Paulo Migliacci

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