São Paulo, sábado, 01 de abril de 2006

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FILOSOFIA

Obras discutem relações inter-religiosas

PAULO DANIEL FARAH
ESPECIAL PARA A FOLHA

Num momento em que tanto se anunciam os obstáculos ditos incontornáveis nas relações inter-religiosas e em que se acirram as distorções e as radicalizações, compreender o fenômeno religioso se revela um desafio premente. Nesse cenário, duas obras apoiadas na filosofia perene vêm instigar um debate normalmente pouco afeito às convergências.
Em "A Inteligência da Fé", Mateus Soares de Azevedo explica que, para a filosofia perene, "as religiões são determinadas por Idéias, no sentido platônico do termo, ou arquétipos espirituais perenes, que se manifestam de tempos em tempos, cristalizando-se no mundo da história e da mudança. O cristianismo encarna um desses arquétipos espirituais, do mesmo modo como o islã, o judaísmo e as demais religiões. Cada religião personifica a priori uma Idéia em particular, mas, a posteriori, esse protótipo pode se manifestar secundariamente em outra religião".
Descreve o luteranismo como uma manifestação parcial no cristianismo de um arquétipo que se pronunciara no islã, "uma religião baseada num livro sagrado e no sacerdócio estendido por assim dizer a todos os homens, sem falar na iconoclastia no que tange à arte. Ou seja, esses princípios a priori típicos da perspectiva islâmica se manifestaram a posteriori no mundo cristão".
O autor dedica um capítulo ao filósofo francês René Guénon (1886-1951) e outro ao filósofo e poeta suíço-alemão Frithjof Schuon (1907-1998), um dos porta-vozes da filosofia perene.
Em "Para Compreender o Islã", Schuon quer mostrar que "a tradição não é uma mitologia pueril e superada, mas uma ciência terrivelmente real". Critica o cartesianismo ("talvez a maneira mais inteligente de ser ininteligente"), o racionalismo ("todo racionalismo direto ou indireto é falso pelo simples fato de que limita a inteligência à razão, ou a intelecção à lógica; limita, pois, a causa ao efeito") e a ciência moderna (que "destrói as bases empíricas das mitologias sem poder explicar a significação dos novos dados").
Schuon se inspira no sufismo, descrito como a medula do islã, para atenuar as visões conflitantes e ressaltar a perspectiva da primordialidade e da universalidade. Cita, entre outros, Jalal ad-Din Rumi: "Não sou cristão, nem judeu, nem pársi, nem muçulmano. Não sou do Oriente nem do Ocidente, nem da terra nem do mar... meu lugar é o que é sem lugar, minha marca o que é sem marca... Coloquei de lado a dualidade e vi que os dois mundos não são senão um; busco o um, conheço o um, vejo o um, invoco o um".


Paulo Daniel Farah é professor na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

A Inteligência da Fé
   
Autor: Mateus Soares de Azevedo
Editora: Nova Era
Quanto: R$ 24,90 (196 págs.)

Para Compreender o Islã
   
Autor: Frithjof Schuon
Editora: Nova Era
Quanto: R$ 29,90 (238 págs.)


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