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CRÍTICA
"Carga" cria merchandising de autor
XICO SÁ
CRÍTICO DA FOLHA
No lugar da velha filosofia
de pára-choque, a propaganda desavergonhada. Explícita
na fala dos atores. A maior novidade do retorno de "Carga Pesada", série de sucesso do comecinho dos anos 80, é o merchandising de autor. No primeiro capítulo, um caminhão novo, vermelho,
de uma marca lá qualquer, foi o
centro da trama.
Nem mesmo o possível câncer
de Bino (Stênio Garcia), suspense
para o próximo episódio, teve
mais peso dramático. Que biópsia
que nada. Só se falou do "cheirinho de carro novo". O caminhão
é celebrado por Pedro (Antonio
Fagundes) como brinquedo de
criança. Não que homem não seja
besta a esse ponto -o falo automotivo, senhores-, mas não carecia protagonizar o maior comercial fora dos intervalos da história da TV brasileira.
A lolita que pega carona para armar uma cilada contra Pedro e Bino fica encantada com a potência
-a inveja do pênis, senhoritas-
e beleza do novo veículo. O assaltante que espera os três no beco
cresce os olhos diante da carreta.
É a violência nas rodovias, nova
realidade encontrada por Pedro e
Bino duas décadas depois, também a serviço do merchandising.
Tudo pelo social.
Quando fugiu um pouquinho
só do drama bolado pelos marqueteiros, "Carga Pesada" teve
um naco da velha e boa prosódia
das boléias. Como a fala de Pedro
diante de um copo de uísque: "Esse é mais meu tipo de cachoeira
que cascata!". Momentos antes,
Bino ficara abestalhado diante
das cataratas do Iguaçu, que não
conhecia. O subtexto da parada,
em assobio inzoneiro: moro num
país tropical, abençoado por Deus
e bonito por natureza... Coisa dos
tempos de Amaral Netto, o repórter do "Brasil grande".
Meu pai, ex-caminhoneiro da
era do Fenemê, veículo das antigas, implicava sempre com a falta
de verossimilhança do seriado
que foi ao ar entre 1979 e 81. Chegava a ser chato, muito chato. Isso
foi o de menos na reestréia de anteontem. O problema agora é saber até que ponto a trama vai conseguir sair do departamento de
marketing para o de criação.
Além da boléia "moderna", outra moda nova é a música-tema.
Sai Renato Teixeira, autor e intérprete da versão antiga, e entra
Chitãozinho & Xororó. Precisa
dizer mais alguma coisa?
Carga Pesada
Quando: terça-feira, às 22h30, na Globo
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