São Paulo, sábado, 01 de maio de 2010

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Salles expõe crise dos independentes

Cineasta, que quer adaptar "On the Road", exibiu documentário em que refaz viagem de Kerouac em San Francisco

Diretores Gus van Sant e Godard já tentaram fazer versões para obra, cujos direitos para o cinema são de Francis Ford Coppola

Divulgação
O diretor Walter Salles (o segundo da esquerda para a direita), em cena do documentário inacabado "À Procura de ‘On the Road’", em que refaz viagem do livro

CRISTINA FIBE
ENVIADA ESPECIAL A SAN FRANCISCO

Walter Salles espera um "milagre" para que o seu anunciado longa de ficção baseado em "On the Road" (traduzido no Brasil como "Pé na Estrada"), de Jack Kerouac, se realize.
O cineasta, convidado em 2004 para abraçar um projeto que diretores como Gus van Sant e Jean-Luc Godard não conseguiram levar adiante, já não sabe se ele se concretizará. O brasileiro havia sido escolhido para a tarefa por Francis Ford Coppola, que detém os direitos da obra para o cinema desde 1979, mas que tampouco concluiu o próprio projeto de dirigir a adaptação.
Em San Francisco nesta semana para receber uma homenagem pelo conjunto da obra no principal festival de cinema da cidade, Salles reclamou das dificuldades para realizar uma produção independente como essa -um "road movie" com locações espalhadas pelos Estados Unidos- no país onde o livro, lançado em 1957, guarda o maior número de adoradores.
"Esse filme tem uma história de 50 anos de tentativas. É um pouco um filme Sísifo, em que você nunca tem a certeza de que vai conseguir levar a pedra lá para cima", disse o diretor, em conversa com a Folha.
Por isso mesmo, considerou um "suicídio" a viagem à Califórnia, onde exibiu a outra metade do projeto, um documentário ainda não finalizado que registra a "busca por um filme possível" chamado "À Procura de "On the Road'".
Salles refez a viagem registrada no livro, de costa à costa. Visitou endereços pelos quais Kerouac (1922-1969) passou, entrevistou personagens da geração beatnik ainda vivos ou por ela influenciados.
"Mostrar um filme incompleto sobre Kerouac, a geração beat e "On the Road" em San Francisco é como mostrar um filme incompleto sobre o cinema neorrealista em Roma ou uma obra em andamento sobre a nouvelle vague no Festival de Cannes", comparou.
O "trabalho em progresso" de Salles foi editado em uma semana, diz, e não deve voltar a ser exibido. Foi uma maneira de "agradecer ao festival [pelo prêmio] e também de me permitir voltar ao material".

Timidez
Os trechos projetados na última quarta-feira, no Festival de Cinema de San Francisco, incluem imagens de arquivo de Kerouac depois de ser atirado à fama com a publicação de "On the Road".
Na TV, o escritor não consegue disfarçar a timidez enquanto conta que datilografou em três semanas as histórias de suas viagens, que duraram sete anos, em um rolo único de papel. "Eu demorei sete anos para escrever sobre uma viagem de três semanas", brinca o apresentador. Kerouac fica ainda mais constrangido.
"Ele não sabia como lidar com essa adoração", conta o empresário do escritor à época, Sterling Lord. "No segundo dia de entrevistas [para divulgar o livro], ele não apareceu." E não era culpa das drogas. "Ele estava atormentado [com a atenção à sua volta]."
Em meio aos depoimentos, Salles se pergunta como deve ser um filme de ficção baseado em "On the Road". Estão lá para responder figuras como Sean Penn, Wim Wenders, Peter Coyote e Johnny Depp.
"Todos temos o filme nas nossas cabeças. Se um dia ele vai corresponder [às expectativas], eu não sei", afirma Depp.
Em uma hora de documentário, Salles parece concordar que se trata de um projeto sagrado, mas que ainda se arrisca a colocar em prática.
"O projeto de ficção é um ponto de interrogação. Hoje, olhando pragmaticamente, a crise do cinema independente de 2009 começa a ficar um pouco menos grave, então é possível que isso permita que o filme exista", diz o cineasta.
"Senão, a busca já terá justificado, já se tornou para mim um fim em si. Se o filme de ficção não acontecer, esse foi um processo de aprendizado tão fértil e interessante que eu já não sentiria dor por isso."
O cineasta afirma decidir até o fim do ano se a ficção acontecerá. Enquanto isso, continua "mergulhado no processo de busca de um filme possível". "A ideia é exaurir essa procura até eu conseguir saber se o filme merece existir ou não."


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