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Crítica/ "A Infância do Mago"
Hermann Hesse mistura fábula e autobiografia com tom piegas
Vencedor do Nobel questiona o mundinho burguês e faz caminho fácil às Índias
MARCELO BACKES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Não parece, mas "A Infância do Mago", de
Hermann Hesse, é
obra de um autor de 45 anos.
Aborda o paraíso da infância e
manifesta o desejo menino e nada original do autor de se tornar mágico.
Há incursões pelo fantástico,
como a companhia orientadora
do "homenzinho" inexistente
que num adulto seria caracterizada como psicótica. O narrador perde sua inocência ao surpreender uma vizinha nua.
O livro é cheio de floreios ingênuos. A infância parece uma
idade maravilhosa, distante da
maldade de um filme como "A
Fita Branca". Refere "a lendária sabedoria das crianças" e
não cansa de chicotear a realidade, que não passa de uma
convenção adulta ("quase todos os adultos me pareciam esquisitos e ridículos"), tolhe a
fantasia (ele proclama com
horror ter virado "comilão" na
vida adulta) e é a "falsa canção
da vida" ensinada pelos "rudimentos da mentira e da dissimulação" dos professores.
Repetindo o que acontece
com todo mundo como se fosse
uma descoberta, Hesse diz:
"Aprendi antes da escola o que
há de mais essencial na vida" e
jamais atinge a profundidade
de Proust ou de Borges -a evocação de um livro lembra o argentino diante de "As Mil e
Uma Noites"- na análise da infância. Sua bondade infinita,
sua ingenuidade às vezes tocante e desprovida de cinismo
lembram obras como a grande
novela "Djamila", de Aimatov.
Mas a ingenuidade também
soa piegas: "Ainda hoje sei de
cor muitas palavras latinas,
versos e provérbios bonitos e
espirituosos". Ou quando a vizinha diz: "Você é o menino
mais sabido que eu já vi, você é
ótimo". Em seus momentos
mais fracos -há até uma estátua de Shiva decorando o ambiente-, a obra faz o caminho
mais fácil às Índias. Não deixa
de ser, no entanto, um curioso
depoimento sobre o autor, que
jamais largaria de todo o ingrediente fabular.
No fulcro da narrativa, Hesse
questiona o mundinho burguês
e se revolta suspirosamente
contra a ordem. Defensor da
paz do budismo indiano, cresceu cercado de religião por todos os lados, da Bíblia a Lao
Tse. Autor do idolatrado "O Lobo da Estepe" (embora devesse
ser mais conhecido pela obra-prima "O Jogo das Contas de
Vidro"), escreveu "A Infância
do Mago" em 1922, o mesmo
ano de "Sidarta".
Vencedor do Prêmio Nobel
de Literatura em 1946, era filho
de um missionário alemão e
neto de um indólogo pelo lado
materno, um sábio barbudo
que ocupa posição central na
obra e lhe abre as porteiras do
mundo exótico.
"A Infância do Mago" é uma
fábula autobiográfica, que no
original alemão vem com ilustrações de Peter Weiss, nem de
longe a parte menos interessante do livro. A mistura de
dois gêneros tão pretensamente opostos como estes tem a virtude de desmascarar o quanto
há de fábula em toda e qualquer
autobiografia.
MARCELO BACKES é tradutor e escritor, autor de "Estilhaços" e "maisquememória"
A INFÂNCIA DO MAGO
Autor: Hermann Hesse
Tradução: Samuel Titan Jr.
Editora: José Olympio
Quanto: R$ 19 (56 págs.)
Avaliação: regular
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