São Paulo, sábado, 01 de maio de 2010 |
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RODAPÉ LITERÁRIO A água-forte do poema em prosa
MANUEL DA COSTA PINTO COLUNISTA DA FOLHA "O PINTOR tem o seu modo de palavrear o mundo", escreve Fernando Paixão a propósito das naturezas mortas do italiano Giorgio Morandi, num dos textos de "Palavra e Rosto". Talvez fosse o caso de inverter os termos e dizer que "o poeta tem o seu modo de pintar o mundo", pois os fragmentos desse livro são exatamente isso: formas de flagrar coisas e seres, além de reflexões sobre os modos de palavrear. Se fosse imprescindível classificá-lo entre os gêneros literários, "Palavra e Rosto" poderia ser definido como volume de poemas em prosa, mas com ressalvas. Consagrado por Baudelaire em seus "Pequenos Poemas em Prosa" e com um arsenal que inclui de Rimbaud a Herberto Helder, esse gênero concentrado e elíptico desandou, na literatura contemporânea, num tipo de prosa sem objeto ou de poesia sem estrutura. Fernando Paixão é irônico em relação à "generalidade vazia", à verborragia pomposa e abstrata, que nem elege um ponto de vista sobre o mundo (traço essencial da prosa de ficção) nem incorpora a materialidade das coisas nomeadas ao plano da linguagem (o isomorfismo entre conteúdo e forma que é um dos valores da modernidade poética). Vários dos fragmentos que compõem "Palavra e Rosto" são "metapoéticos", tratam da tentação de compor um "arco metafórico" expresso em títulos maneiristas e vagos entre os quais ele inclui, curiosamente, o título de um de seus próprios livros, "Fogo dos Rios". À ironia, portanto, se junta a autoironia, fazendo com que o livro seja menos um conjunto rematado de poemas em prosa do que um caderno de anotações sobre as interrogações e os desenganos dos atos de testemunhar e representar. A força de "Palavra e Rosto" está justamente nos textos em que Paixão se deixa guiar por uma "intuição posicionada". Os pensamentos ambíguos desencadeados pelo contraponto de linhas dos móbiles de Calder; o "ponto de vista recuado" escolhido por Manet para representar o fuzilamento do imperador Maximiliano no México; a silhueta de Fernando Pessoa percorrendo as ladeiras lisboetas no andamento de um adágio: são poemas em prosa que encontram na realidade objetiva um esquadro que disciplina a transposição do olhar e da imaginação para a página. À maneira das gravuras de Evandro Carlos que ilustram "Palavra e Rosto", Paixão procura dar à palavra o traço preciso de uma água-forte, deixando porém uma fresta para aquilo que ficou irrepresentado em seu "campo pictórico". E o texto "Gaivotas" (em que dialoga com "O Albatroz", de Baudelaire) resume o claro-escuro de seus poemas em prosa na imagem de um voo indeciso entre "o alto das rotas e o estudo das marés baixas". PALAVRA E ROSTO Autor: Fernando Paixão Editora: Ateliê Quanto: R$ 50 (128 págs.) Avaliação: bom Texto Anterior: Crítica/ "A Infância do Mago": Hermann Hesse mistura fábula e autobiografia com tom piegas Próximo Texto: Gautherot traduz a utopia de Brasília Índice |
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