São Paulo, domingo, 01 de junho de 2008

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Mônica Bergamo

@ - bergamo@folhasp.com.br

Marlene Bergamo/Folha Imagem
Num longo Dior, ela posa no Ipiranga, seu ponto preferido em SP


Cuba La madre que me parió

A transexual Phedra D. Córdoba, atriz e "diva automática" do grupo Os Satyros, de SP, voltará a Havana para estrelar a peça "Lis", 54 anos depois de ter deixado seu país; para ela, "Fidel sempre foi um doidón'

Era 1975 e ela enviou a carta do Rio de Janeiro. Destinatário: seu pai, Horacio Acebal, calle Concordia, número ocho, ciudad La Habana. Escreveu pouco: "Hola, papo. Qué pasa en Cuba?". Pouco depois, chegou a resposta -no mesmo envelope. "Era um carimbo. Carimbo da censura. Mi papo nunca recibió la carta. Nunca."

 

Phedra D. Córdoba não demonstra emoção com a história; ela é enfática. "No puedo negar la madre que me parió." La madre, Cuba, vai recebê-la de volta no próximo dia 15, 54 anos depois da partida. No dia 20, ela estréia em Havana a peça "Liz", com o grupo Os Satyros -onde brilha, desde 2003, como atriz, e atende pelo cargo de "diva automática" da praça Roosevelt, no centro de SP.
 

A diva completou, nesta semana, 70 anos vividos assim: 16 em Cuba, quatro entre países como México, Venezuela, Estados Unidos, Panamá, Costa Rica, Argentina, entre outros, e os demais 50 no Brasil. "Querida, eu soy do mundo! Soy libertina, não só sexualmente, mas na minha arte, nos meus pensamentos. Soy dominante! No quiero que me dominem!", diz, carregando no "portunhol selvagem" para explicar o motivo pelo qual deixou "la madre" -Phedra é transexual.
 

"[Fulgêncio] Batista também no queria homens vestidos de mujer, pero no era uma perseguição. Lembro de um show daquele tempo, "Yo Soy Muñeca". Fidel disse: "Homem vestido de mujer, no quiero en mi tierra!'", conta. Mas ela não se diz contra Fidel: "Soy neutra. Quero paz. Soy como aquela ministra [Dilma Rousseff, da Casa Civil], que disse na CPI: sob tortura, a coragem é mentir. Isso é lindíssimo, querida!".
 

Às seis da tarde de uma terça, a diva aparece na porta de seu apartamento tocando um pandeiro. "Isso é por causa dos orixás", diz. "O candomblé é muito forte em Cuba. Fidel é filho do maior dos maiores, meu bem. É de Xangô [arregalando os olhos]. Ele não conta, claro, querida. Mas eu sei de boa fonte, de cubanos."
 

Embora rejeite se engajar no movimento gay -"Venci sozinha! Deus me perdoe o egoísmo"-, Phedra puxa o assunto de Mariela Castro, filha de Raúl Castro, que protesta contra a homofobia e organizou até parada gay em Havana. ""No me toquen eles [os gays]!", Mariela disse. É maravillosa, supermoderna. Já está conseguindo resultado e é respeitada porque é filha de Raúl", diz.
 

Quando Phedra deixou Havana, antes da Revolução Cubana, não havia ainda "movimento gay" e, desde criança, ela "era um escândalo" para a própria mãe. "Minha mãe queria que eu fosse homem à força. Me levava a una psiquiatra, me dava hormônio masculino, porque yo sempre tive fisionomia feminina." Phedra, então Felipe Rodolfo ou apenas Córdoba, entrou para uma companhia de dança. Sua mãe aceitou que viajasse desde que fosse para formar dupla com uma mulher, Lupi Sevilha, a quem deu todos os poderes sobre o filho. Phedra tinha, então, que pintar costeletas com lápis e vestir-se de homem no palco. "Em 1958, em Buenos Aires, meu namorado levou Walter Pinto [1913-1994, fundador do teatro de revista brasileiro] ao teatro Avenida. De repente, yo entré em cena. E o Walter falou: "Quiero falar com essa bichinha!" Assim mesmo, querida!"
 

Com Walter, ela veio ao Rio de Janeiro e, quando fez 21 anos, "ba-bau": "me vesti de mujer también fora do palco". Trabalhou no Les Girls, espetáculo com travestis, depois foi vedete de Costinha, atriz ao lado de Ewerton de Castro, dançou com Consuelo Leandro... "Soy ícone do Sindicato dos Artistas, querida!"
Em sua casa, um quarto e sala que divide com o gato Primo Bianco, no centro, guarda recortes de jornais e revistas com entrevistas suas -e de Fidel. "Tudo de Cuba, eu leio." Uma bandeira do país decora o armário com o novo computador, ao lado da TV, do ventilador e do guarda-roupa de 30 anos. "Fidel tem seu club-fã e sempre foi um doidón. Alguém tinha que parar os Estados Unidos. Os americanos são uns filhos da puta. Já estive lá várias vezes, mas não gosto. Neste sentido, estoy de acordo com Fidel. Só não estou a favor do comunismo fechado e da homofobia."
 

Phedra e os atores dos Satyros levarão papel higiênico e sabonete para os 15 dias em Cuba. "Todo brasileiro adora Havana. Eu vejo tanta pobreza ali. Me disseram para esconder o dinheiro porque, se eles têm oportunidade, levam. Veja: é porque lá não tem. Um bombom, para eles, é ouro." Sobre a saúde pública de qualidade, ela questiona: "A saúde vai bem, mas isso porque se fala de Habana, que é a capital, entende?".
 

Voltar de vez para o país está fora dos planos. "É mi orgulho, mi vaidade. A mi me custó muito trabalho ter alguma coisa em Cuba. Eu era muito combatida por meu sexo. Era sempre: "Tem talento, mas é muito feminina! Não dá, não dá!". Queria encontrar alguém daquela época para dizer: "Viu como yo no precisei de vocês?"." E, abrindo os braços no ar, Phedra ergue o pescoço para concluir: "Libertad por la borboleta!".


AUDREY FURLANETO (Reportagem)

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