São Paulo, domingo, 01 de julho de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Bem na fita

São Paulo seduz cineastas, exibe o lado fotogênico na atual safra de filmes nacionais e atrai produções de fora

Caio Guatelli/Folha Imagem
O diretor Philippe Barcinski no viaduto Nove de Julho, onde filmou "Não por Acaso"; a foto não é uma montagem: cria a ilusão de um passo no vazio ao retirar do quadro o piso abaixo da mureta

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

O Rio de Janeiro continua lindo, mas é a acinzentada São Paulo, com seus 5,8 milhões de carros, o engarrafamento como sinônimo de rotina do cidadão e a marca da "deselegância discreta" que fica cada vez mais atraente aos olhos e às lentes dos cineastas, daqui e de fora.
Na safra de filmes em cartaz, como "Não por Acaso", de Philippe Barcinski, e entre os que serão rodados nos próximos meses no país, não faltam exemplos dos que tratam a cidade como personagem, e não apenas como cenário.
"Meu grande desafio era fazer com que São Paulo fosse mais do que uma locação [ambiente de cenas], porque o filme lida com a relação do homem com o meio, que é algo meio intangível", diz Barcinski.
O cineasta Walter Salles, que ao lado de Daniela Thomas começará a filmar seu "Linha de Passe" em São Paulo na semana que vem, acha que Barcinski "capturou de forma ao mesmo tempo sensível e contundente" o aspecto mais particular de São Paulo: "O fato de estar em constante movimento".
A avaliação de Salles é idêntica a respeito de "A Via Láctea", de Lina Chamie, longa ainda inédito no Brasil, que foi exibido em maio passado na Semana da Crítica, em Cannes.
Nos dois filmes, o trânsito de São Paulo cumpre funções opostas. Enquanto em "Não por Acaso" ele é metáfora do desejo humano pelo controle absoluto e da impossibilidade de alcançá-lo, em "A Via Láctea" o mar de carros (quase) imóveis traduz "o empecilho à realização do desejo amoroso", como define Chamie.
Na prática, após uma briga por telefone com a namorada, Júlia (Alice Braga), o professor de literatura Heitor (Marco Ricca) sai ao encontro dela, mas fica preso no trânsito.
"Essa é uma situação que me interessa, porque faz parte do meu convívio real com a cidade", afirma a cineasta.
Empecilho não apenas para encontros amorosos, o trânsito caótico de São Paulo e sua tendência de atrasar todo cronograma é a principal reclamação dos que filmam na cidade.
"A gente tinha que locomover 160 pessoas por dia, de um lado para o outro, estacionar um monte de trailers. Foi, sem dúvida, a maior dificuldade", diz a atriz Bruna Lombardi sobre as filmagens do inédito "Signo da Cidade", que tem roteiro dela e direção de seu marido, Carlos Alberto Riccelli.
As compensações ao trânsito de São Paulo e às outras dificuldades de filmar na cidade, porém, fazem a balança pender a favor da experiência, sustenta quem a teve.
"São Paulo tem a beleza atrás da feiúra. Acho isso mágico, porque sempre existe o escondido, o que está atrás do cinza, da mancha, da poluição", observa Chamie.
Autor do já estreado "Os 12 Trabalhos", Ricardo Elias aprecia também "a diversidade da metrópole" que São Paulo contém. "O fato de você encontrar de tudo aqui quando vai narrar influi na própria forma de expressão e universaliza um pouco mais a mensagem", diz Elias.
É essa também a opinião do diretor Roberto Moreira, que se prepara para fazer "a crônica de uma marginalidade mais simpática" com "Condomínio Jaqueline", sucessor de seu longa de estréia na ficção, "Contra Todos" (2004).
"A grande vantagem de São Paulo é ter excelentes atores e uma diversidade de locações. Se você quiser [filmar] um templo japonês, tem; casa quatrocentona, tem; prédio modernista, tem; prédio neoclássico, tem também", cita Moreira.
O caráter multifacetado de São Paulo será aproveitado pelo diretor Fernando Meirelles para filmar aqui, sem identificar a cidade, em "Cegueira", seu novo longa internacional, após "O Jardineiro Fiel" (2005).
Falado em inglês, estrelado pelos norte-americanos Julianne Moore e Mark Ruffalo e orçado em R$ 53 milhões, "Cegueira" será filmado em Toronto (Canadá) e Montevidéu (Uruguai), antes de chegar a São Paulo, em setembro.
Juntas, as metrópoles dos três países assumirão um aspecto de "cidade genérica" no filme, segundo Meirelles.
Já o chinês Lik-Wai, que desembarca em São Paulo em novembro, para rodar o filme de gângster "Plastic City" (cidade de plástico), dará à cidade um aspecto futurista e sombrio -com cenas de neve incluídas.
"A maior parte das locações é na Liberdade, mas filmaremos no centro, na região industrial da avenida do Estado e em outros locais estranhamente encantadores da Paulicéia", diz o produtor Fabiano Gullane.
Jeferson De, que filmará seu primeiro longa, "Um Dia", em agosto, conta que "já começaram as noites sem dormir" de ansiedade. Mas a insônia não subtrai a animação: "A gente ainda tem muito a mostrar dessa cidade no cinema", diz.


Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: "Forasteiros" buscam imagem da megalópole
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.