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CRÍTICA
Personagens não são mais interessantes que o leitão
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
O centro de "O Homem do
Ano" é Bill, o leitão. Ele é
presenteado a Máiquel (Murilo
Benício), o protagonista do filme,
depois que ele livra a Baixada de
um delinquente ao que parece
bem desagradável.
O destino de Bill é ser comido
no próximo Natal, ou algo assim,
mas Máiquel transforma-o em
seu bicho de estimação. Com
Máiquel acontece algo parecido:
quando mata um homem pela
primeira vez, mal suspeita que
pode se tornar herói da periferia.
Mas isso é o que acontece.
O destino será cruel com Bill: a
horas tantas, Cledir, a mulher de
Máiquel, mata o bicho e serve-o
no jantar em que comemora o
aniversário do marido. Esse é o
ponto de inflexão do filme: a partir daí tudo se transforma na vida
dos personagens.
Isso não significa que nos surpreenda. Máiquel, garoto simples,
transformado em matador e herói, conhecerá seus dias de glória e
depois a presumível decadência.
Como Bill, que todos já adivinharam, nessa altura, que é seu alter
ego. E, para falar francamente,
Máiquel não é um personagem
muito mais interessante do que
seu leitão.
Por acaso, ele conhece Cledir
(Cláudia Abreu), sua futura mulher. Por acaso, mata um homem.
Por acaso, transforma-se em matador e herói suburbano.
Troquemos a palavra "acaso"
por "destino" e temos aí o pensamento central do filme: não existe
autodeterminação; nossa vida é
regida por forças obscuras, mas
superiores a nós, que fazem de
nós o que querem etc.
A partir dessa base, não é de espantar que os personagens não se
limitem a ser unidimensionais,
também são frequentemente monotemáticos.
Cledir é apenas uma cabeleireira que só fala em casamento; há o
dentista (Jorge Dória) que só pensa em segurança; o comerciante
(Paulo Cesar Pereio) que existe
para falar mal das mulheres. Não
só clichês da bandidagem (sangue
quente, tráfico de armas, entorpecentes, corrupção policial), mas
também os de classe média (preconceitos, religiosidade) são agitados para compor esse quadro
de niilismo um tanto caricato.
Se a coisa não vai bem por aí, a
direção de José Henrique Fonseca
não ajuda muito. Não existe um
enquadramento que não seja afetado. Pode-se imaginar que a afetação seja uma estética. Mas esses
cenários carregados de signos de
suburbanidade, essas luzes gritantes, esses movimentos de câmera incessantes -que vão quase sempre do nada a parte alguma-, pergunta-se a que servem,
além de, talvez (mas será possível?), impressionar pela retórica.
Mas aí também não funciona
direito: como essa retórica vem,
basicamente, do cinema publicitário e aparentados, essa sobrecarga de efeitos acaba por soterrar
um espectador já extenuado pela
platitude da ficção proposta.
O Homem do Ano
Direção: José Henrique Fonseca
Produção: Brasil, 2003
Com: Murilo Benício, Cláudia Abreu e
Natália Lage
Quando: a partir de hoje nos cines Pátio
Higienópolis, Cine Morumbi, Villa-Lobos
e circuito
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