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São Paulo, sexta-feira, 01 de agosto de 2003

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CRÍTICA

Personagens não são mais interessantes que o leitão

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

O centro de "O Homem do Ano" é Bill, o leitão. Ele é presenteado a Máiquel (Murilo Benício), o protagonista do filme, depois que ele livra a Baixada de um delinquente ao que parece bem desagradável.
O destino de Bill é ser comido no próximo Natal, ou algo assim, mas Máiquel transforma-o em seu bicho de estimação. Com Máiquel acontece algo parecido: quando mata um homem pela primeira vez, mal suspeita que pode se tornar herói da periferia. Mas isso é o que acontece.
O destino será cruel com Bill: a horas tantas, Cledir, a mulher de Máiquel, mata o bicho e serve-o no jantar em que comemora o aniversário do marido. Esse é o ponto de inflexão do filme: a partir daí tudo se transforma na vida dos personagens.
Isso não significa que nos surpreenda. Máiquel, garoto simples, transformado em matador e herói, conhecerá seus dias de glória e depois a presumível decadência. Como Bill, que todos já adivinharam, nessa altura, que é seu alter ego. E, para falar francamente, Máiquel não é um personagem muito mais interessante do que seu leitão.
Por acaso, ele conhece Cledir (Cláudia Abreu), sua futura mulher. Por acaso, mata um homem. Por acaso, transforma-se em matador e herói suburbano.
Troquemos a palavra "acaso" por "destino" e temos aí o pensamento central do filme: não existe autodeterminação; nossa vida é regida por forças obscuras, mas superiores a nós, que fazem de nós o que querem etc.
A partir dessa base, não é de espantar que os personagens não se limitem a ser unidimensionais, também são frequentemente monotemáticos.
Cledir é apenas uma cabeleireira que só fala em casamento; há o dentista (Jorge Dória) que só pensa em segurança; o comerciante (Paulo Cesar Pereio) que existe para falar mal das mulheres. Não só clichês da bandidagem (sangue quente, tráfico de armas, entorpecentes, corrupção policial), mas também os de classe média (preconceitos, religiosidade) são agitados para compor esse quadro de niilismo um tanto caricato.
Se a coisa não vai bem por aí, a direção de José Henrique Fonseca não ajuda muito. Não existe um enquadramento que não seja afetado. Pode-se imaginar que a afetação seja uma estética. Mas esses cenários carregados de signos de suburbanidade, essas luzes gritantes, esses movimentos de câmera incessantes -que vão quase sempre do nada a parte alguma-, pergunta-se a que servem, além de, talvez (mas será possível?), impressionar pela retórica.
Mas aí também não funciona direito: como essa retórica vem, basicamente, do cinema publicitário e aparentados, essa sobrecarga de efeitos acaba por soterrar um espectador já extenuado pela platitude da ficção proposta.


O Homem do Ano
 
Direção: José Henrique Fonseca Produção: Brasil, 2003 Com: Murilo Benício, Cláudia Abreu e Natália Lage Quando: a partir de hoje nos cines Pátio Higienópolis, Cine Morumbi, Villa-Lobos e circuito



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