São Paulo, domingo, 01 de agosto de 2004

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MOSTRA

Presidente da Bienal, o empresário Manoel Pires da Costa espera levar 1 milhão ao evento, que será gratuito em 2004

26ª Bienal busca a democratização da arte

FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE DOMINGO

O prédio da Fundação Bienal, no parque Ibirapuera, já está em obras para a 26ª edição do maior evento de artes plásticas do Brasil.
Quando for inaugurada no dia 25 de setembro, a Bienal de São Paulo irá contar com um novo espaço: um auditório com 400 lugares, no subsolo do prédio projetado por Oscar Niemeyer.
A construção é um dos motivos de orgulho do presidente da Bienal, o empresário Manoel Francisco Pires da Costa, 65. "Durante décadas, este local foi um depósito. Agora faremos dele um espaço permanente para debates e oficinas de arte", diz.
Pires da Costa tem outro motivo de satisfação. Desta vez, a Bienal não cobrará ingresso dos visitantes. "A democratização da arte é o espírito da Bienal. Não se precisa colocar paletó e gravata para ver a Bienal. Há um ranço de elitismo aí", diz o empresário, que se define como "um operário das artes".
A 26ª Bienal, assim como dispensou o ingresso, decidiu manter de fora o "núcleo histórico", com artistas consagrados e conhecidos do grande público, como ocorreu na edição anterior (leia mais em texto nesta página). "A Bienal tem que buscar o novo", afirma Pires da Costa, que confessa não gostar, em arte, "dessas coisas do momento" e prefere "naifs", como Djanira.
Ao lado de uma pintura abstrata de sua filha Gabriela, em verde e azul, as mesmas cores da logomarca da Bienal, Pires da Costa conversou em seu gabinete, no parque Ibirapuera, sobre os seus planos para conseguir levar 1 milhão de pessoas ao evento.

Folha - Qual é a sua relação com as artes plásticas?
Manoel Francisco Pires da Costa -
Eu sempre tive o conceito, mas nunca tive a profundidade. Sempre gostei de adquirir, mas não me considero um colecionador. Tenho algumas peças interessantes e muito focadas num ambiente bem Brasil. Gosto de José Antônio da Silva, Djanira, Antonio Poteiro, coisas dessa ordem. Não me considero um expert em arte. Sou apenas um curioso, uma pessoa preocupada, com sensibilidade, mas sem condição de fazer uma análise mais profunda.

Folha - Do que o sr. não gosta?
Pires da Costa -
Para ser honesto, eu não gosto muito dessas coisas de momento, justamente o que a Bienal é. Mas, às vezes, é porque eu não entendo a proposta. Eu gosto de entender a proposta primeiro. Às vezes, não gosto de algo, mas depois que me explicam o significado, minha sensibilidade permite analisar com cuidado a obra e verificar que falta um dado de introspecção da minha parte para poder entender certas coisas.

Folha - Como o sr. se tornou presidente da Bienal?
Pires da Costa -
Eu vendi um banco de minha propriedade em 1999 e, apesar de ter outras empresas para cuidar, consegui ter mais tempo para conversar com os amigos. Foi Sábato Magaldi [crítico de teatro e conselheiro da Bienal] quem me convidou. Eu aceitei, pois gosto muito do Carlos Bratke [então presidente da Bienal]. Comecei a ajudar, e o Carlos disse que ia me indicar para sucedê-lo.

Folha - O sr. concorda com a supressão do núcleo histórico?
Pires da Costa -
Eu concordo com essa tese, mas por outro lado concordo em homenagear alguém todo ano. Por exemplo, vamos homenagear Portinari [1903-1962] nesta Bienal.

Folha - Foi uma idéia sua?
Pires da Costa -
Minha idéia foi homenagear alguém. Quando eu soube que as comemorações do centenário de Portinari ainda não haviam terminado, conversei com o João Cândido [Portinari, filho do pintor] e decidimos ter 200 m2 para o Portinari. Serão apenas projeções de imagens de obras, e também faremos o lançamento do catálogo raisonnée.

Folha - O visitante não sentirá falta das próprias obras de Portinari?
Pires da Costa -
A BM&F [Bolsa de Mercadorias e Futuros], no centro, vai apresentar uma mostra paralela com as obras.

Folha - Quanto a Bienal economiza por não ter núcleo histórico?
Pires da Costa -
É uma grande economia, porque o seguro e o transporte são caros. Mas não é por essa razão que não teremos um núcleo histórico. A Bienal tem que ter um caráter participativo e, como ela vive em muitas ocasiões de recursos públicos, há que ser muito austero. Mas a decisão de não ter núcleo histórico é absolutamente política, não econômica. E não fui eu quem a tomou. Eu apenas a aplaudi. Os museus têm mais condição de fazer isso [exibir a arte histórica]. A Bienal tem que buscar o novo.

Folha - O núcleo histórico costumava ser um atrativo para o público. Qual é a sua estratégia para garantir um bom afluxo de visitantes?
Pires da Costa -
A Bienal precisa focar em duas coisas importantes: ela é um elo comercial e social. O lado social são os cursos profissionalizantes que estamos fazendo. Estou preparando um corpo de 400 monitores para o mercado. Amanhã, outros poderão recorrer a esses monitores. Por outro lado, fizemos um acordo com o Centro de Memória da Juventude, da UNE [União Nacional dos Estudantes], e estamos realizando um trabalho intenso para trazer estudantes à Bienal. O público majoritário da Bienal é de estudantes universitários, entre 18 e 28 anos, das classes A, B e C. Este vai ser o grande público. Como a Bienal é de graça, acredito que teremos mais de 1 milhão de visitantes.

Folha - Por que é tão importante chegar a esse número: 1 milhão?
Pires da Costa -
Porque uma das coisas que discutimos com o Ministério da Cultura foi esse propósito de democratizar a arte. Esse é o espírito da Bienal. Democratizar não no sentido de levar a arte, mas de trazer o público para ver arte. Não se precisa colocar paletó e gravata para ver a Bienal. Há um ranço de elitismo aí. Por isso precisamos desinibir a sociedade.

Folha - O sr. acha que no Brasil a exibição de arte é elitista?
Pires da Costa -
Acho que não, mas lamentavelmente é preciso cobrar a entrada. Agora, se podemos fazer de graça, como estamos pretendendo, isso é um estímulo para as pessoas. Não estou fazendo isso para durar uma eternidade. É um presente aos 450 anos de São Paulo. É uma experiência.

Folha - Sem núcleo histórico, foi difícil conseguir patrocinadores?
Pires da Costa -
Eu aboli a palavra patrocinador: a Bienal tem parceiros. Um dos focos foi o lado internacional da mostra, pois ela é a embaixadora do Brasil. Assim, a Petrobras, por exemplo, traz os parceiros internacionais para ver a Bienal e depois senta numa mesa de "business". Isso ninguém fez aqui. É uma sinergia que começa agora, pode ser pequena, mas estamos pensando nas próximas.

Folha - O custo total da 26ª Bienal é de R$ 18 milhões?
Pires da Costa -
O custo total não existe. Como não estou só captando, há parcerias, e elas envolvem recursos e contrapartidas. A Philips, por exemplo, faz um projeto de iluminação que vai custar R$ 1,5 milhão, que não pagaremos.

Folha - Entretanto, há um grande aporte público, não?
Pires da Costa -
É fruto de um trabalho. Na última Bienal, foi a primeira vez que conseguimos uma emenda da bancada paulista no Congresso Nacional. Desta vez, são R$ 12,5 milhões conseguidos em quatro dias em Brasília. A emenda destina R$ 15 milhões, sendo que R$ 12,5 milhões para nós e o restante para o MAM.

Folha - E quanto virá da iniciativa privada?
Pires da Costa -
Quando se fala R$ 12,5 milhões, isso não significa que os recursos serão liberados no prazo necessário, dependo do orçamento da União. Nós vamos ter o suficiente para fazer uma Bienal de R$ 18 milhões.

Folha - Quer dizer que R$ 5,5 milhões virão da iniciativa privada?
Pires da Costa -
Pode até ser mais, mas esse valor é fato.

Folha - O modelo da Bienal, para alguns especialistas, é errado. Para eles, a Bienal deveria ser mais profissionalizada, como a Documenta de Kassel, onde um conselho ligado às artes plásticas escolhe o curador, enquanto aqui é o presidente quem escolhe o curador.
Pires da Costa -
Não fui eu quem indicou o curador [o alemão Alfons Hug], foi o conselho da Fundação e a própria diretoria veio falar comigo. Achei que ele fez um bom trabalho na 25ª Bienal.

Folha - Mas essa decisão não deveria ser mais profissionalizada?
Pires da Costa -
Concordo. São aprimoramentos, para os quais a humildade do presidente precisa ser posta em prática.

Folha - Foi o sr. quem escolheu Ziraldo para o cartaz da 26ª Bienal?
Pires da Costa -
Sim, e fiz questão. Ele é uma pessoa para quem o Brasil precisa tirar o chapéu. Ele pode não ter nada a ver com a arte contemporânea, mas tem sensibilidade. Acho que é um grande artista. Essa escolha é um ato grandioso por parte dessa entidade.

Folha - Quantos monitores serão preparados para a Bienal?
Pires da Costa -
Temos já 850 inscritos para 400 postos de monitores, na parceria com o Centro de Juventude e a Faap. E não os estamos preparando apenas para esta Bienal. É uma forma de produzir personagens para uma demanda que, acredito, vai crescer.

Folha - O sr. crê que 400 monitores darão conta de um público previsto de 1 milhão de pessoas?
Pires da Costa -
Administrar sucesso também é difícil. Se for o caso, chamaremos mais. Prefiro administrar o sucesso ao fracasso.

Folha - A Bienal também está formando montadores?
Pires da Costa -
Sim, com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento recebemos 90 crianças para participar de um curso profissionalizante de montagem, manutenção e desmontagem. Também estamos organizando oficinas de restauro e trabalhando com a Secretaria de Estado da Educação para formar professores. É preciso interligar arte e inclusão social, arte e profissionalização, arte e produção.


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