São Paulo, quarta-feira, 01 de agosto de 2007

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Antony traz som "sem cinismo"

Cantor fala à Folha sobre shows que fará no Brasil, em outubro, com sua banda "Antony and the Johnsons"

Líder do grupo que se apresentará no Tim, Antony diz se "esforçar para não fazer música como a que a cultura dominante nos empurra"

RONALDO EVANGELISTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Sua voz já foi descrita neste jornal como "sombria". Todos os textos sobre ele citam a melancolia extrema e a beleza única de sua música. Apenas ouvindo-o cantar, é comum confundi-lo com uma "mulher negra", como fez Björk quando o escutou pela primeira vez. Antony Hegarty, definitivamente, não é o popstar habitual.
Com quase dois metros de altura, pianista, compositor muito particular, com uma voz que existe em algum lugar entre os cantores de jazz Nina Simone e o andrógino Jimmy Scott, nem ele entende o que aconteceu nos últimos anos. De repente, as pessoas falavam nele, ouviam seus discos, iam a seus shows e lhe davam prêmios -ele ganhou o respeitado Mercury Prize, em 2005, pelo disco "I Am a Bird Now".
Neste ano, entre gravações de seu terceiro disco, o cantor vem com sua banda, Antony and the Johnsons, ao Brasil -será uma das atrações do Tim Festival, em outubro. (Antony se apresenta no mesmo dia da islandesa Björk, a pedido dela, que também o convidou a participar de seu último disco.) Por telefone, com voz calma e quase sussurrada, o cantor inglês, 36, morador de Nova York, conversou com a Folha.
O primeiro assunto, inevitável, é sua vinda ao Brasil. "Estou morrendo só de saber que vou, nunca estive na América do Sul." Mas dá medo se apresentar em um país de outro idioma, quando sua música tem como parte fundamental letras sobre sexo e solidão?
"É claro que o conteúdo lírico é significante", diz. "Mas não faço idéia do que dizem vários de meus cantores favoritos. Ouço cantores búlgaros e egípcios, ouço Edith Piaf, ouço Miriam Makeba, e não sei sobre o que cantam. Já ouvi muito a cantora portuguesa de fados Amália Rodrigues -e chorava sem parar, sem entender uma palavra. Gosto de ficar só imaginando as letras. Não sei se minha música pode tocar alguém sem a letra, mas há algo que pode ser dito só pelo som."
Certamente, o seu som diz muito. Misturando influências como o jazz de Nina Simone, o pop-rock do Roxy Music, o soul de Otis Redding e o lirismo do Velvet Undergroung, suas canções trazem um certo clima de cabaré dos excluídos. É a vitória dos estranhos, é a arte tão pessoal quanto pode ser.
"Recentemente, me apresentei em Moscou. Fiquei com medo, achando o clima hostil. Mas no show o público se mostrou doce, inocente. É como se não houvesse diferença entre as pessoas. Quando mudei para NY, achava que era um estranho. Não imaginava que alguém fora da cena em que vivia poderia se emocionar com minhas músicas. Quando elas passaram a ser ouvidas, vi que há pessoas no mundo todo com as quais posso me identificar."
Identificação que se estende a amigos cantores, como Devendra Banhart e a dupla CocoRosie, afirma. "Nosso relacionamento é pessoal, não exatamente por semelhanças musicais. O que nos une é um certo senso de honestidade. Fazemos um esforço para não nos fecharmos, não fazermos música com cinismo, como a que a cultura dominante nos empurra constantemente."
"Os artistas que amo sempre foram contra isso, sempre buscaram maneiras de se conectar", nota. "E a música é uma ótima oportunidade para isso. Ajuda a dar sentido à vida. Por meio da música, buscamos o que é preciso para evoluir. Nesse sentido, existe uma geração anterior à minha que assumiu riscos e se expôs com sua arte. É o compromisso com certas idéias uma das razões pelas quais se faz música."
Então, quando está no palco, Antony assume esse papel, de representante de algo maior? "É uma situação incomum", admite. "Eu, como indivíduo, frente a 2.000 pessoas que estão me entregando toda sua energia -é uma conexão espiritual preciosa. Passamos tanto tempo em nossas vidas banais que aquilo tem que ser mágico. Temos que aprender a olhar as coisas de outra maneira, talvez conseguir ser mais livres."


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