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Antony traz som "sem cinismo"
Cantor fala à Folha sobre shows que fará no Brasil, em outubro, com sua banda "Antony and the Johnsons"
Líder do grupo que se
apresentará no Tim, Antony
diz se "esforçar para não fazer
música como a que a cultura
dominante nos empurra"
RONALDO EVANGELISTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Sua voz já foi descrita neste
jornal como "sombria". Todos
os textos sobre ele citam a melancolia extrema e a beleza única de sua música. Apenas ouvindo-o cantar, é comum confundi-lo com uma "mulher negra", como fez Björk quando o
escutou pela primeira vez. Antony Hegarty, definitivamente,
não é o popstar habitual.
Com quase dois metros de altura, pianista, compositor muito particular, com uma voz que
existe em algum lugar entre os
cantores de jazz Nina
Simone e o andrógino Jimmy
Scott, nem ele entende o que
aconteceu nos últimos anos. De
repente, as pessoas falavam nele, ouviam seus discos, iam a
seus shows e lhe davam prêmios -ele ganhou o respeitado
Mercury Prize, em 2005, pelo
disco "I Am a Bird Now".
Neste ano, entre gravações
de seu terceiro disco, o cantor
vem com sua banda, Antony
and the Johnsons, ao Brasil
-será uma das atrações do Tim
Festival, em outubro. (Antony
se apresenta no mesmo dia da
islandesa Björk, a pedido dela,
que também o convidou a participar de seu último disco.) Por
telefone, com voz calma e quase sussurrada, o cantor inglês,
36, morador de Nova York,
conversou com a Folha.
O primeiro assunto, inevitável, é sua vinda ao Brasil. "Estou morrendo só de saber que
vou, nunca estive na América
do Sul." Mas dá medo se apresentar em um país de outro
idioma, quando sua música
tem como parte fundamental
letras sobre sexo e solidão?
"É claro que o conteúdo lírico é significante", diz. "Mas não
faço idéia do que dizem vários
de meus cantores favoritos.
Ouço cantores búlgaros e egípcios, ouço Edith Piaf, ouço Miriam Makeba, e não sei sobre o
que cantam. Já ouvi muito a
cantora portuguesa de fados
Amália Rodrigues -e chorava
sem parar, sem entender uma
palavra. Gosto de ficar só imaginando as letras. Não sei se
minha música pode tocar alguém sem a letra, mas há algo
que pode ser dito só pelo som."
Certamente, o seu som diz
muito. Misturando influências
como o jazz de Nina Simone, o
pop-rock do Roxy Music, o soul
de Otis Redding e o lirismo do
Velvet Undergroung, suas canções trazem um certo clima de
cabaré dos excluídos. É a vitória dos estranhos, é a arte tão
pessoal quanto pode ser.
"Recentemente, me apresentei em Moscou. Fiquei com
medo, achando o clima hostil.
Mas no show o público se mostrou doce, inocente. É como se
não houvesse diferença entre
as pessoas. Quando mudei para
NY, achava que era um estranho. Não imaginava que alguém fora da cena em que vivia
poderia se emocionar com minhas músicas. Quando elas
passaram a ser ouvidas, vi que
há pessoas no mundo todo com
as quais posso me identificar."
Identificação que se estende
a amigos cantores, como
Devendra Banhart e a dupla
CocoRosie, afirma. "Nosso relacionamento é pessoal, não
exatamente por semelhanças
musicais. O que nos une é um
certo senso de honestidade.
Fazemos um esforço para não
nos fecharmos, não fazermos
música com cinismo, como a
que a cultura dominante nos
empurra constantemente."
"Os artistas que amo sempre
foram contra isso, sempre buscaram maneiras de se conectar", nota. "E a música é uma
ótima oportunidade para isso.
Ajuda a dar sentido à vida. Por
meio da música, buscamos o
que é preciso para evoluir. Nesse sentido, existe uma geração
anterior à minha que assumiu
riscos e se expôs com sua arte.
É o compromisso com certas
idéias uma das razões pelas
quais se faz música."
Então, quando está no palco,
Antony assume esse papel, de
representante de algo maior?
"É uma situação incomum",
admite. "Eu, como indivíduo,
frente a 2.000 pessoas que estão me entregando toda sua
energia -é uma conexão espiritual preciosa. Passamos tanto
tempo em nossas vidas banais
que aquilo tem que ser mágico.
Temos que aprender a olhar as
coisas de outra maneira, talvez
conseguir ser mais livres."
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