São Paulo, sábado, 01 de agosto de 2009

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TRECHO

-A madrugada tem seu ritmo particular de fluir no tempo- explica o barman. Ele risca um fósforo e acende um cigarro. -Não adianta remar contra a maré.
-Meu tio também tinha muitos discos- conta Mari. -Ele falava que não conseguia gostar de CDs. A maioria dos discos dele era de jazz. Toda vez que eu ia visitá-lo, ele colocava alguns para eu escutar. Naquela época, como eu ainda era pequena, não entendia bem a música, mas em compensação adorava sentir o cheiro das capas dos álbuns velhos e ouvir aquele barulhinho de fritura da agulha tocando o disco. O barman concorda, apenas balançando a cabeça.
-Foi esse tio que me falou sobre o filme do Jean-Luc Godard- comenta Mari, voltando-se para Kaoru.
Mari está lavando as mãos no banheiro. Ela já não está mais de boné. Nem de óculos. Do alto-falante instalado no teto ouve-se, bem baixinho, um antigo sucesso do Pet Shop Boys, "Jealousy". Sua bolsa grande está no canto da pia. Ela lava cuidadosamente as mãos com o sabonete líquido à disposição dos clientes. É como se estivesse tentando tirar alguma coisa que grudou entre os dedos.

Trechos de "Após o anoitecer", de Haruki Murakami



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