São Paulo, sábado, 1 de agosto de 1998

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MÚSICA
Sandra de Sá remexe o baú de Tim Maia

Bel Pedrosa/Folha Imagem
A cantora carioca Sandra de Sá, que está gravando álbum somente com músicas de Tim Maia


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
enviado especial ao Rio

Sentada no estúdio, Sandra de Sá, 42, sorri do que está ouvindo. Ela está ouvindo "Ga-Gaguejando", do repertório de Tim Maia, "o inventor do trem, o grande maquinista". "Eu também sou gaga", gagueja. Quem está cantando é Sandra de Sá. "Gosto da minha voz, o que não gosto é de me ver na TV."
A cantora carioca prepara "Eu Sempre Fui Sincero, Você Sabe Muito Bem", álbum dedicado ao repertório dele que foi um de seus maiores influenciadores e morreu em março passado, aos 55 anos, relegado a relativo descrédito.
Sandra diz enfrentar a aparente impressão de oportunismo -a necrofilia da arte, diria o Pato Fu- com bom senso.
"Precisa responder por que eu resolvi gravá-lo? É altamente óbvio, é um documentário do Tim, porque ele merece, porque ele é gênio. Fiquei devendo isso a ele em vida. Se é para alguém fazer, que seja eu", afirma, imodesta.
A idéia, segundo Sandra, foi de Paula Toller -um ano antes de Tim morrer. "Foi ela quem levantou com o pessoal da gravadora a bandeira de eu gravar Tim."
Por coincidência, Paula está no estúdio ao lado, gravando Kid Abelha. Entra para ouvir a versão de Sandra para o clássico "Sossego" -com direito a break com a canção-símbolo de Jair Rodrigues, "Deixa Isso pra Lá", e coro gospel ao final- e confirma:
"A Sandra estava gravando o disco anterior, ouvi e comentei, de orelhada, que ela devia fazer um disco só de Tim. Era natural". Sandra emenda: "E eu ia ficar puta se outro fizesse antes de mim".
Então Paula lembra que o Kid Abelha foi pioneiro em rebuscar Tim Maia nos 80, gravando "Não Vou Ficar" (lançada por Roberto Carlos em 69 e por Tim em 71).
"Quando o gravamos, era para procurar uma influência que não fosse a de todo mundo, não fosse Caetano, Gil. Tim era falastrão, não davam atenção ao que dizia, mas sabia muito de música."
Por fim, Paula opina sobre "Sossego": "Sandra tem esse jeito molecão de cantar. Não é mimoso, combina com esse som".
Sandra justifica o encontro inédito que promove entre o funkeiro Tim e o sambista Jair Rodrigues: "Tem tudo a ver, Jair é tudo, é brasileiro. São dois "crioulebas' da melhor qualidade".
Baú do Tim
A via para escapulir do oportunismo, segundo Sandra, é a de evitar os sucessos mais batidos do soulman. Há "Sossego", "Eu Amo Você", "Azul da Cor do Mar" e "Telefone" (de onde sai a frase-título do CD), mas a tônica é de fuçar repertório esquecido.
"O que mais pensei foi em pegar coisas obscuras, quase inéditas. Alguém se lembra de "Batata Frita, o Ladrão de Bicicleta', "Flamengo'? Enquanto ia ouvindo, ia pensando: "Ih, eu nunca ouvi essa!', "filho da puta, ele nunca mais cantou essa em show' ", ri, baforando fumaça do cachimbo.
"Foi muito difícil escolher, resumir o trabalho de um gênio é impossível, teria que ser um CD triplo", paquera a gravadora.
A artista considera misteriosa a razão de Tim -contrariando o hábito- não ter virado moda depois de morto. "Não entendo, até porque as pessoas gostam, é popular", reflete.
Concorda que tal rejeição possa se estender à black music nacional como um todo. Ela própria começou sua carreira, em 80, em estilo quase "black power", cantando funks como "Demônio Colorido" e "Olhos Coloridos".
Depois, a exemplo do mestre Tim, converteu-se ao pop romântico de rádio, dito brega. "No começo foi uma euforia, uma festa. Depois comecei a me decepcionar com a coisa, a ver que o Brasil não era Black Rio, que existiam rádio, gravadora, dono de gravadora, empresário. A única figura que ficava fora do rolo era o artista."
Continua: "Quando vi, estava toda machucada. Hoje vejo que se tivesse estado mais alerta, mais profissional no começo, estaria em outro estágio hoje. Não componho mais como compunha, fiquei traumatizada. Mas a coisa vai indo naturalmente. Parece que está à deriva, mas não está, não".
Se deixou ou não a corrente "brega", ela não sabe (ou não quer) responder. Coloca "Pudera" para tocar e explica: "Essa, por exemplo, é uma que seria brega". A melô radiofônica de Tim entra transformada em baladão soul, algo que o outro soulman, Cassiano, poderia ter feito em 76.
E Cassiano? Só os mortos merecem homenagem? "Pô, diz aí no jornal para Cassiano e Hyldon me ligarem. Pode rolar muita coisa daqui pra frente. Aos poucos a gente vai chegando."



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