São Paulo, sábado, 01 de setembro de 2007

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Cartas da guerra

Americano publica "Cartas do Front", livro que reúne correspondência de ex-combatentes de guerra, e cria projeto para preservar a memória dos conflitos

Divulgação
Andrew Carroll, que lança "Cartas do Front", em visita ao Kuait


RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Escrever é algo fundamental em tempos de guerra. Para manter a sanidade ou a própria noção de humanidade, foi o que descobriu o autor Andrew Carroll.
Uma mulher manda uma última carta para um marido que ela sabe que morreu em combate. Um militar em campo de prisioneiros escreve um diário para a mulher, pois não tem como enviar cartas, e nem sabe se ela deu à luz o seu segundo filho. Um kamikaze envia a última mensagem para a mãe. Um sobrevivente deposita uma carta aos companheiros mortos num monumento nacional.
Esses são alguns exemplos das "Cartas do Front", livro organizado por Carroll, agora editado no Brasil. O americano é um dos principais convidados da 13ª Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, que começa no próximo dia 13.
"O objetivo é mostrar a humanidade das pessoas que servem e das suas famílias", afirmou o autor, em entrevista, por telefone, de sua casa em Washington. "A guerra é um conceito muito distante e remoto. Nas cartas, você vê os maridos, as mulheres e crianças, você os vê como pessoas", diz. "Essas pessoas surgem como seres humanos, não como estatísticas."
Carroll já tinha feito uma compilação, "War Letters" (cartas de guerra), reunindo a correspondência de veteranos americanos desde a Guerra Civil (1861-1865) até 2001. São cartas que mostram "o melhor da natureza humana, sua compaixão, sua camaradagem", diz ele. Conversando com veteranos, Carroll descobriu que, para entender uma guerra, era preciso ouvir o "outro lado".
Foi a inspiração para publicar mais um livro, agora incluindo cartas de alemães, japoneses, britânicos, russos e iraquianos, entre outros.
Ele fundou um projeto para preservar essa memória dos conflitos. Ironicamente, o chamado Projeto Legacy ("legado", que pode ser acessado no site www.warletters.com) surgiu graças à perda da sua própria memória pessoal. Em dezembro de 1989, um incêndio destruiu sua casa em Georgetown. Ninguém saiu ferido, mas o fogo fez cinzas de seus livros, fotos e cartas de família. Ele descobriu então que muitos veteranos de guerra jogavam suas cartas fora, por "modéstia"; achavam que nada havia de interessante nelas.
"Vi que estávamos perdendo algo como um país. Há uma história extraordinária nessas cartas", diz. Mas só em 1998 ele agiu. Fez o que milhares de americanos fazem: enviou uma carta para a coluna de jornal mais lida no mundo, "Dear Abby" ("Cara Abby"), publicada em mais de 1.400 diários, com um público estimado em 110 milhões de leitores. É uma coluna que dá conselhos sensatos a perguntas de leitores e é publicada desde 1956.
A coluna publicou a caixa postal de Carroll e o seu pedido de cópias de cartas de veteranos de guerra ou de seus familiares. Três dias depois, o correio ligou avisando para ele retirar a correspondência, que tinha lotado a caixa. Ele pensou em ir de bicicleta para pegar a correspondência. "Melhor vir de carro", disse o funcionário do correio.

Brasileiros
Hoje, quase uma década depois, o Projeto Legacy contabiliza mais de 80 mil cartas em seus arquivos. A edição brasileira inclui cartas de veteranos da Força Expedicionária Brasileira, selecionadas por Arthur Ituassu, que enviou cópias traduzidas para Carroll. "Ele fez um trabalho brilhante com as cartas brasileiras", diz Carroll.

CARTAS DO FRONT - RELATOS EMOCIONANTES DA VIDA NA GUERRA
Autor:
Andrew Carroll
Tradução: Sérgio Lopes
Editora: Zahar
Quanto: R$ 49 (440 págs.)
Avaliação: ótimo


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