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Crítica/"A Estrada"
McCarthy narra pós-apocalipse em perspectiva "antiemocional"
Incensado pela crítica americana, livro foi comparado a Beckett e Faulkner
ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
A crítica norte-americana fez imensos elogios a
"A Estrada", de Cormac
McCarthy. Foram lembrados
Beckett e Faulkner para tratar
deste romance pós-apocalíptico que retrata a viagem de pai e
filho por um cenário devastado,
em busca permanente de alguma comida e sob o temor constante de serem eles mesmos
transformados em alimento
por algum dos sobreviventes da
inexplicada destruição que
abateu o planeta.
Muita gente deve ter terminado o livro com lágrimas nos
olhos, muitos devem tê-lo enquadrado naquela categoria especial de obras premonitórias,
que escancaram para o homem
o que ele é capaz de fazer com o
mundo e, pior ainda, o que ele é
capaz de fazer depois disso,
quando não existe mais lei e tudo está aparentemente perdido.
Antiemocional
Narrada com extrema secura
e orações invariavelmente breves por um observador em terceira pessoa, que pontua as passagens com a reprodução de
diálogos entre pai e filho sempre muito concisos e telegráficos, a obra transmite a idéia de
se propor totalmente "antiemocional", repetindo em sua
estrutura o velho chavão crítico
de que a crueza dos acontecimentos é suficiente para dar
conta dos sentimentos em jogo.
O problema é que "A Estrada" parece se preocupar a cada
parágrafo, a cada virada do
enredo -até seu final catártico-, com os efeitos que está
provocando, com a manipulação absoluta das emoções evitadas tão programaticamente.
Não há verdade ou mentira
em ficção, mas há, para o leitor,
impressões verdadeiras ou falsas. E aqui predominam as segundas.
Oprah
Dá quase vontade de dizer
que, na comparação, um texto
trash, mas com temática bem
próxima, como "Celular", de
Stephen King, lançado pouco
tempo atrás no Brasil, propõe
mais "verdades" em sua catástrofe tecnológica cheia de zumbis.
Isso para não falar, do ponto
de vista da relação entre o pai e
o menino, de outra obra bem
recente, "O Filho Eterno", de
Cristovão Tezza, tão precisa no
equilíbrio tenso entre contenção e explosão emocional e tão
verdadeira, desta vez sem aspas
e em qualquer dos sentidos que
se queira dar à palavra.
O livro ganhou o Prêmio Pulitzer de literatura, o autor,
sempre recluso, foi entrevistado por Oprah Winfrey. E o
mundo ainda não acabou.
ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura
da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da
USP
A ESTRADA
Autor: Cormac McCarthy
Tradução: Adriana Lisboa
Editora: Alfaguara
Quanto: R$ 33,90 (240 págs.)
Avaliação: regular
Leia trecho
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