São Paulo, sábado, 01 de setembro de 2007

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Crítica/"A Estrada"

McCarthy narra pós-apocalipse em perspectiva "antiemocional"

Incensado pela crítica americana, livro foi comparado a Beckett e Faulkner

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

A crítica norte-americana fez imensos elogios a "A Estrada", de Cormac McCarthy. Foram lembrados Beckett e Faulkner para tratar deste romance pós-apocalíptico que retrata a viagem de pai e filho por um cenário devastado, em busca permanente de alguma comida e sob o temor constante de serem eles mesmos transformados em alimento por algum dos sobreviventes da inexplicada destruição que abateu o planeta.
Muita gente deve ter terminado o livro com lágrimas nos olhos, muitos devem tê-lo enquadrado naquela categoria especial de obras premonitórias, que escancaram para o homem o que ele é capaz de fazer com o mundo e, pior ainda, o que ele é capaz de fazer depois disso, quando não existe mais lei e tudo está aparentemente perdido.

Antiemocional
Narrada com extrema secura e orações invariavelmente breves por um observador em terceira pessoa, que pontua as passagens com a reprodução de diálogos entre pai e filho sempre muito concisos e telegráficos, a obra transmite a idéia de se propor totalmente "antiemocional", repetindo em sua estrutura o velho chavão crítico de que a crueza dos acontecimentos é suficiente para dar conta dos sentimentos em jogo.
O problema é que "A Estrada" parece se preocupar a cada parágrafo, a cada virada do enredo -até seu final catártico-, com os efeitos que está provocando, com a manipulação absoluta das emoções evitadas tão programaticamente.
Não há verdade ou mentira em ficção, mas há, para o leitor, impressões verdadeiras ou falsas. E aqui predominam as segundas.

Oprah
Dá quase vontade de dizer que, na comparação, um texto trash, mas com temática bem próxima, como "Celular", de Stephen King, lançado pouco tempo atrás no Brasil, propõe mais "verdades" em sua catástrofe tecnológica cheia de zumbis.
Isso para não falar, do ponto de vista da relação entre o pai e o menino, de outra obra bem recente, "O Filho Eterno", de Cristovão Tezza, tão precisa no equilíbrio tenso entre contenção e explosão emocional e tão verdadeira, desta vez sem aspas e em qualquer dos sentidos que se queira dar à palavra.
O livro ganhou o Prêmio Pulitzer de literatura, o autor, sempre recluso, foi entrevistado por Oprah Winfrey. E o mundo ainda não acabou.


ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP

A ESTRADA
Autor:
Cormac McCarthy
Tradução: Adriana Lisboa
Editora: Alfaguara
Quanto: R$ 33,90 (240 págs.)
Avaliação: regular

Leia trecho


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