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Comentário/"Deus, um Delírio"
Livro de Richard Dawkins não passa de libelo político
LUIZ FELIPE PONDÉ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Falta nessas pessoas que
teimam em ser profetas
um pouco daquela sabedoria discreta que encontramos em gente como Fernando
Pessoa: o improvável Deus nos
protege da fé grosseira em ídolos com cabeça de bicho, como
o culto da Humanidade, "mera
idéia biológica".
Pouco céticas e muito dogmáticas, elas confundem coisas
como a salutar disciplina cética
com o ateísmo. Como diria
Chesterton, quando deixamos
de acreditar em Deus, acabamos crendo em qualquer bobagem. A humanidade é mais infeliz do que imagina nossa vã filosofia da emancipação.
O novo livro de Richard Dawkins (que parece ser aquele tipo
de cara que ainda acha que o
ateísmo mete medo em gente
grande), "Deus, um Delírio",
não é ciência, mas mero libelo
político (ateísmo científico é
um contra-senso, Deus é uma
variável sem controle epistemológico), uma recaída na velha fúria jacobina, requentada
com máximas evolucionistas.
Lembremos que não existem
cosmologias de laboratório.
Afirmações como "tenha orgulho de ser ateu e olhe o futuro
com confiança" soam bem num
workshop para auto-estima.
Seu foco são as utopias modernas de salvação: não é por acaso
que flerta com alguns dos totalitarismos mais sofisticados de
nossa época, entre eles, aqueles, aliás, que "melhoraram
muito" as relações entre homens e mulheres, esmagado-as
sob a bota do ressentimento típico da desconstrução social
genérica.
O livro vende o darwinismo
como teoria "progressista"
(grande intuição marqueteira),
por isso suas alusões a "sair do
armário", tentando convencer
a sensibilidade de esquerda que
o darwinismo não é mais perigoso. A alma desassossegada
indaga: além da parada dos
ateus, serei processado se disser em público que acredito em
Deus? Quem é o bobo que acredita que, sem Deus, o ser humano mataria menos? Sem o fundamentalismo islâmico (supõe-se), as torres gêmeas estariam lá, mas e os milhões de
mortos em nome da ciência, da
humanidade e da história nos
séculos 18, 19 e 20?
De Stálin a Fidel, de Robespierre a Mao Tse-tung, todos
seduziram a "inteligência
atéia". O ateísmo político domina a sensibilidade "pop-inteligente" há décadas, questões
como a alegre legalização do
aborto, a "revolta poético-científica do desejo", a metafísica
materialista e a ignorância filosófico-religiosa provam isso.
Ateísmo mais elegante
Quase todos crêem no "produto emancipação". Deus não
garante o "Bem" (nenhuma
teologia séria pensa isso), nem
o ateísmo a inteligência ou a
ética.
Gostamos de matar e pronto.
Dawkins procura seduzir exatamente o tipo de pessoa covarde que não gosta de saber disso
sobre si mesma e, com isso, minimiza uma grande qualidade
do darwinismo filosófico: sua
percepção trágica da vida na
qual somos areia que um dia
abriu os olhos e que balbucia
sozinha diante da indiferença
furiosa de um universo mudo e
sonambúlico imerso no acúmulo de design cego (supremo
conceito que descreve a emergência da "ordem" em meio à
cegueira da matéria).
Todavia, reconheçamos que
ele acerta ao dizer que a "religião inteligente" pouco tem feito diante da violência fundamentalista e do Mac-Jesus.
Mas seria Deus que nos faz gostar de matar e sermos banais
como qualquer animal que se
arrasta no pó?
A inteligência se faz vítima
do ruidoso mundo da democracia militante de massa. Este livro é a prova, ao tentar fazer do
darwinismo uma teoria palatável à massa medrosa: se deixarmos de acreditar em Deus, seremos mais felizes... Quem disse que a beleza vencerá? O darwinismo é, filosoficamente, o
ateísmo mais elegante que existe, nada prova sobre Deus, mas
pelo menos não incorre no elementar erro do marxismo, que
confunde representações sociais com o problema da ordem
cósmica. Diante desse ruído,
ainda que me considerem cético demais, confesso: prefiro
Fernando Pessoa e Deus.
LUIZ FELIPE PONDÉ é filósofo, professor da
PUC-SP e da FAAP, é autor de, entre outros títulos, "Crítica e Profecia - Filosofia da Religião em
Dostoiévski" (ed. 34) e "Do Pensamento no Deserto - Ensaios de Filosofia, Teologia e Literatura" (Edusp, no prelo).
DEUS, UM DELÍRIO
Autor: Richard Dawkins
Tradução: Fernanda Ravagnani
Editora: Cia. das Letras
Quanto: R$ 45, em média (528 págs.)
Avaliação: regular
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