São Paulo, terça, 1 de setembro de 1998

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Para sua primeira individual, artista criou esculturas com couro de vaca e lã de carneiro em que trata de história da arte, memória da infância e problemas sociais
Keila Alaver cria Sagradas Famílias contemporâneas

CELSO FIORAVANTE
da Reportagem Local

Atração e repulsa. Idílio e violência. Entre essas e outras dicotomias, caminha Keila Alaver, 27, que apresenta alguns desses seus passos recentes a partir de hoje na galeria Luisa Strina.
São esculturas construídas com couro de vaca comprado no meio de seu processo de curtimento, ainda úmidos, o que possibilita sua moldagem, realizada em bonecas e manequins. Os cabelos são de lã de carneiro.
Keila tenta conferir-lhes uma conotação social, relacioná-los com a violência das ruas e o abandono da infância, mas o estético se sobrepõe ao ético com facilidade. Diante deles, prevalece o que é forma e desaparece aquilo que é fato.
Keila cria cenas contemporâneas idílicas e trágicas, que se desenvolvem geralmente em torno de uma bacia ou tina, criando assim um ambiente pastoril e ascético, mas que revela ainda situações de domínio, autoritarismo e perversão frequentes na infância.
Segundo a artista, a sala de banho promove um contato mais íntimo entre os personagens, mais do que em torno de uma mesa ou de uma cama. "Isso possibilita uma proximidade maior entre eles, mais intimidade", disse.
As tinas, porém, funcionam como manjedouras, em torno das quais se agrupam essas Sagradas Famílias contemporâneas (leia texto ao lado).
A referência maior da artista, porém, é a sua própria obra e suas memórias. A recriação de imagens coletivas e íntimas entre crianças, por exemplo, remete aos primeiros trabalhos da artista: "light boxes", em que manipulava fotografias suas e de amigos.
Mesmo as cenas familiares, que haviam sumido nos trabalhos da mostra Panorama (fragmentos de corpos em "berços cirúrgicos"), ano passado no MAM, ou nos trabalhos autobiográficos da mostra coletiva "Forma Perversa", voltam agora na figura de dois gêmeos, criados a partir da lembrança de dois primos da artista.
Suas novas esculturas são corpos dilacerados e impassíveis, insensíveis à dor do corte e à ineficiência de suturas, que apenas revelam seus pequenos corpos vazios.
O contexto social defendido por Keila pode ser visto nos materiais usados. Suas crianças-frankenstein -compostas por pedaços de animais- refletem a violência de uma sociedade que animaliza seus homens, retira deles o que é íntimo e lhes concede apenas a pele dura, onde possam carregar suas marcas e cicatrizes.



Mostra: Keila Alaver (cinco grupos de esculturas realizadas em couro e lã de carneiro)
Onde: galeria Luisa Strina (r. Padre João Manuel, 974A, tel. 011/280-2471, Jardins)
Vernissage: hoje, às 19h
Quando: de segunda a sexta, das 10h às 20h; sábado, das 10h às 14h
Quanto: US$ 3.000 (cada grupo)





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