São Paulo, terça, 1 de setembro de 1998

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ARTIGO

O videomotoboy

GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
especial para a Folha

"Quero tirar uma fotografia sua. Você vai ser modelo, R$ 700, tchan total."
A condenação ao crime, parafraseando Nietzsche, não deve dispensar a genealogia do crime. Esta é a pergunta fundamental: em que escola da vida o "maníaco do parque" foi socializado?
Vivemos numa sociedade em que a família é menos importante do que a televisão. Sou capaz de apostar que o assassino tarado nunca leu Casimiro de Abreu. A aurora da vida que os anos não trazem mais...
A idade do homem brasileiro violento. A genealogia cultural desse energúmeno encontra-se na tirania ágrafa da videoesfera: violência "Tela Quente", cabaré das crianças, diatribes sadomasoquistas de Gugu, Faustão, Silvio Santos, Ratinho etc.
O bordel videohome. A dessublimação repressiva na miséria. A violência burra, genital, fascista: o exercício do "membrum virile" sem ternura.
A mesma coisa aconteceu há pouco tempo em Brasília. Uma gangue de adolescentes de classe média, cujos olhos e ouvidos são educados em videolocadora pornô, queima na madrugada um índio indefeso dormindo num ponto de ônibus.
A gênese cultural do crime encontra-se na energia videopornô. Crianças e adolescentes plasmados por uma sociedade que substituiu a escola pela telenovela.
A estética "pornosense" da telenovela funciona como uma metástase que se espraia por todos os "rapsubmundos" da sociedade brasileira.
O édipo do videomotoboy materializa-se na sedução pop das caixazinhas e costureirinhas românticas desempregadas, convidando-as para uma fotografia no parque -e não dentro de um estúdio bem equipado de um fotógrafo famoso.
A sedução brega da fotografia. O estupro audiovisual. Tudo por dinheiro.

Tchan
Sexo exportado. Dança da bundinha da garrafa. As crianças e as mulheres são as principais vítimas desse modelo estuprador. Moinho de estuprar gente, como dizia o saudoso educador Darcy Ribeiro.
Hoje a patologia da vida cotidiana é uma videopatologia. A criança não é mais a heroína da mãe e sim do plim-plim imagético da TV, de modo que a psicanálise deve se adaptar aos novos tempos: a história da castração já não é mais a vagina dentada castradora da mãe.
Curiosamente o cineasta Glauber Rocha, nos finais da década de 70, rompeu com a sua patota de amigos por causa da adesão comercial do cinema novo à estética pornochique.
À maneira do cineasta Pasolini, na Itália, Glauber vociferava contra a pornografia audiovisual como reflexo e afirmação da promiscuidade social.
É por essa razão que o repúdio à perversão desse maníaco do parque não deveria deixar impune a videocriminalidade da pornografia.
É lamentável que os políticos brasileiros, com raríssimas exceções, não tenham o hábito de conectar a questão da democracia à "midioética" -ou seja: a ética na mídia.



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