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ARTIGO
O videomotoboy
GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
especial para a Folha
"Quero tirar uma fotografia sua.
Você vai ser modelo, R$ 700,
tchan total."
A condenação ao crime, parafraseando Nietzsche, não deve dispensar a genealogia do crime. Esta
é a pergunta fundamental: em que
escola da vida o "maníaco do parque" foi socializado?
Vivemos numa sociedade em
que a família é menos importante
do que a televisão. Sou capaz de
apostar que o assassino tarado
nunca leu Casimiro de Abreu. A
aurora da vida que os anos não
trazem mais...
A idade do homem brasileiro
violento. A genealogia cultural
desse energúmeno encontra-se na
tirania ágrafa da videoesfera: violência "Tela Quente", cabaré das
crianças, diatribes sadomasoquistas de Gugu, Faustão, Silvio Santos, Ratinho etc.
O bordel videohome. A dessublimação repressiva na miséria. A
violência burra, genital, fascista: o
exercício do "membrum virile"
sem ternura.
A mesma coisa aconteceu há
pouco tempo em Brasília. Uma
gangue de adolescentes de classe
média, cujos olhos e ouvidos são
educados em videolocadora pornô, queima na madrugada um índio indefeso dormindo num ponto de ônibus.
A gênese cultural do crime encontra-se na energia videopornô.
Crianças e adolescentes plasmados por uma sociedade que substituiu a escola pela telenovela.
A estética "pornosense" da telenovela funciona como uma metástase que se espraia por todos os
"rapsubmundos" da sociedade
brasileira.
O édipo do videomotoboy materializa-se na sedução pop das caixazinhas e costureirinhas românticas desempregadas, convidando-as para uma fotografia no parque -e não dentro de um estúdio
bem equipado de um fotógrafo famoso.
A sedução brega da fotografia. O
estupro audiovisual. Tudo por dinheiro.
Tchan
Sexo exportado. Dança da bundinha da garrafa. As crianças e as
mulheres são as principais vítimas
desse modelo estuprador. Moinho
de estuprar gente, como dizia o
saudoso educador Darcy Ribeiro.
Hoje a patologia da vida cotidiana é uma videopatologia. A criança não é mais a heroína da mãe e
sim do plim-plim imagético da
TV, de modo que a psicanálise deve se adaptar aos novos tempos: a
história da castração já não é mais
a vagina dentada castradora da
mãe.
Curiosamente o cineasta Glauber Rocha, nos finais da década de
70, rompeu com a sua patota de
amigos por causa da adesão comercial do cinema novo à estética
pornochique.
À maneira do cineasta Pasolini,
na Itália, Glauber vociferava contra a pornografia audiovisual como reflexo e afirmação da promiscuidade social.
É por essa razão que o repúdio à
perversão desse maníaco do parque não deveria deixar impune a
videocriminalidade da pornografia.
É lamentável que os políticos
brasileiros, com raríssimas exceções, não tenham o hábito de conectar a questão da democracia à
"midioética" -ou seja: a ética na
mídia.
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