São Paulo, Sexta-feira, 01 de Outubro de 1999
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"O TRONCO"

Personagens "de verdade" e roteiro são os trunfos

especial para a Folha

"O Tronco", de João Batista de Andrade, é um filme atípico dentro do moderno cinema brasileiro. Atípico porque bem dirigido, bem atuado e bem escrito.
Trata-se de um faroeste ambientado em Goiás, em 1919. A história começa quando o coletor de impostos Vicente Lemos (Ângelo Antônio) chega a uma pequena cidade do sertão goiano. Vicente é parente do chefão do pedaço, o truculento coronel Pedro Melo (Rolando Boldrin), pai do deputado -e igualmente truculento- Artur Melo (Henrique Rovira).
Apesar de fazer parte da família de truculentos, Vicente é um homem justo e honesto. Depois que o coronel mata um empregado, Vicente pede ajuda ao governo para punir os responsáveis.
É aí que a coisa engrossa: as tropas do governo, lideradas por um juiz ganancioso (Antônio Fagundes), atacam a fazenda e deflagram um conflito entre soldados e jagunços.
As palavras "filme brasileiro de época" e "filme de ação" são suficientes para provocar calafrios nas espinhas dos cinéfilos locais. Mas "O Tronco" -adaptado do romance homônimo de Bernardo Élis- tem o mérito de ser um raríssimo filme de época que não parece novela da Manchete e um filme de ação no qual os tiroteios não são movidos a tiros de espoleta.
O roteiro, escrito pelo próprio diretor, é simples e eficiente. Há algumas histórias paralelas, como a do relacionamento entre Vicente e a prima, Anastácia (Letícia Sabatella), mas nada que atrapalhe a história principal, o que é sinal de um roteiro bem feito.
Os diálogos fogem do padrão tatibitate de novela, que infelizmente estamos nos acostumando a ver nos filmes nacionais.
Os personagens parecem e falam como gente de verdade -há alguns excessos, como o personagem Baianinho, um chato de galochas que passa o filme inteiro cantando, mas isso parece mais um deslize, provocado talvez por um antigo hábito de nossos cineastas, que adoram lotar seus filmes com personagens secundários "divertidos".
Outro mérito do filme é o de mostrar os personagens, mesmo os figurantes, como gente de carne e osso, e não como meras figuras decorativas.
A pior herança do cinema novo, e uma que permeia nossos filmes até hoje, é um paternalismo irritante em relação aos personagens, especialmente os pobres, que sempre foram tratados como coitadinhos e expostos como peças de museu, sem personalidade própria, sem defeitos ou qualidades, numa visão elitista e pequeno-burguesa que infelizmente é tida como corajosa.
"O Tronco" não apela para esse artifício barato. Os personagens não são maniqueístas nem unidimensionais.
Mesmo o coronel Pedro Melo, por trás de sua couraça dura, mostra um quê de humanidade (palmas para Rolando Boldrin). E Ângelo Antônio é a grande revelação, um idealista que percebe tarde demais que sua bravura e honestidade tiveram consequências nefastas.
Talvez a maior qualidade de "O Tronco" seja mesmo sua simplicidade. O filme não quer mudar o mundo, apenas contar uma história de forma competente. E consegue. (ANDRÉ BARCINSKI)


Avaliação:  




Filme: O Tronco
Direção: João Batista de Andrade
Produção: Brasil, 1999
Com: Rolando Boldrin, Ângelo Antônio, Antônio Fagundes e Letícia Sabatella
Quando: a partir de hoje, nos cines SP Market 5, Belas Artes Mário de Andrade e circuito


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