São Paulo, sexta-feira, 01 de outubro de 2004

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MÚSICA

Mato-grossense lança "Essa Boneca Tem Manual", produzido por Liminha, e rejeita semelhança com Marisa Monte

Vanessa da Mata baila entre as fórmulas

DA REPORTAGEM LOCAL

Quer irritá-la? Diga que seu novo disco, "Essa Boneca Tem Manual", faz lembrar, aqui e ali, a voz, o modo de cantar e as composições de Marisa Monte. "Nunca. Nada a ver. Se fosse Gal Costa podia ser, sou vidradíssima", dispara Vanessa da Mata, 28. "Não ouço, não tenho referência de Marisa Monte. Não tenho, mas acho uma esperteza ótima ela trazer os sambistas antigos, acho que tem uma técnica ótima -apesar de eu não gostar de muita técnica."
Possíveis semelhanças e irritações à parte, Vanessa tem de fato histórico em quase nada parecido ao da colega carioca de classe média alta. Menina mato-grossense interiorana de Alto Garças, saiu de casa aos 14 anos.
Desde então viveu uma busca passo a passo pelo sucesso, que incluiu vagar pelo underground paulistano, compor com Chico César, ser descoberta por Maria Bethânia ("A Força que Nunca Seca", 99), chegar à multinacional Sony Music (e, lá, não despertar empenho imediato por seu CD de estréia, de 2002), ser dirigida em show por Nelson Motta, ir à trilha da novela "Celebridade" com sucesso antigo de Roberto Carlos...
(Detalhe: um desses muitos passos foi pertencer ao mesmo escritório empresarial de Marisa Monte, de Leonardo Netto. Disso ela parece querer se esquecer, quando se refere à substituição de Netto pela atual Fafá Magna, ex-Gal Costa. "Não é substituição, ela está sendo empresária", diz, sublinhando o termo "sendo".)
O histórico que entremeia desejo de independência e adesão a fórmulas e formuladores do sucesso pop culmina no segundo CD com a produção entregue a Liminha, midas do estouro do pop-rock dos anos 80. "Estou numa fase de querer transmitir as coisas de um modo mais direto, e ele é muito prático, é o cara certo para isso", explica a presença de Liminha, parceiro da também compositora em cinco faixas.
Ainda sob o signo e sina das comparações, Vanessa diz que muito tem sido apontada sua semelhança física com Clara Nunes (1943-83). "Já diziam isso muito antes de eu querer cantar. Lembrava muito da imagem dela, quando morreu eu era muito pequena e não tinha nenhum contato, então achei que era um anjo. Depois fui conhecer, admirar."
Outro nexo com Clara Nunes é o do cabelão encaracolado, solto no mundo, que ela cultiva também nas canções do CD. Diz que "Joãozinho", faixa que fala de alisamento e que ela compôs aos 18 anos, versa sobre sua tia Rita ("Zé", lá adiante, tributa seu tio Zé, caminhoneiro). "Minha tia fazia joãozinho, quando começava garoa ou neblina ela sumia. Eu nunca fiz, era ousada para minha cidade. Revolucionei a família, hoje nem tia Rita alisa o cabelo."
Brincando com o assunto, Vanessa se refere a seus cabelos "de nuvem ou bombril", em "Essa Boneca Tem Manual", e reflete sobre a viagem brasileira das louras lisas às morenas crespas:
"Eu sou miscigenada, uma mistura de portugueses, negros e índios. Sou do Mato Grosso, meio bugra, adoro essa coisa de nova raça. Raciocino muito sobre isso, sobre o que na gente é educação e o que é repressão, desde casa, infância, Igreja Católica, "não fique muito assanhada'".
Vai além: "Somos muito escravocratas ainda, com Lula as pessoas vão aos poucos tendo mais consciência de que a humildade, muitas vezes, é reflexo de submissão, se é excessiva. Vira humilhação, uma coisa meio escrava".
Ambiciosa feito Marisa Monte, romântica feito Roberto Carlos, assanhada feito Clara Nunes, prática feito Liminha, essa boneca procura seu manual. (PAS)


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