|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÚSICA
Mato-grossense lança "Essa Boneca Tem Manual", produzido por Liminha, e rejeita semelhança com Marisa Monte
Vanessa da Mata baila entre as fórmulas
DA REPORTAGEM LOCAL
Quer irritá-la? Diga que seu novo disco, "Essa Boneca Tem Manual", faz lembrar, aqui e ali, a
voz, o modo de cantar e as composições de Marisa Monte. "Nunca. Nada a ver. Se fosse Gal Costa
podia ser, sou vidradíssima", dispara Vanessa da Mata, 28. "Não
ouço, não tenho referência de Marisa Monte. Não tenho, mas acho
uma esperteza ótima ela trazer os
sambistas antigos, acho que tem
uma técnica ótima -apesar de eu
não gostar de muita técnica."
Possíveis semelhanças e irritações à parte, Vanessa tem de fato
histórico em quase nada parecido
ao da colega carioca de classe média alta. Menina mato-grossense
interiorana de Alto Garças, saiu
de casa aos 14 anos.
Desde então viveu uma busca
passo a passo pelo sucesso, que
incluiu vagar pelo underground
paulistano, compor com Chico
César, ser descoberta por Maria
Bethânia ("A Força que Nunca
Seca", 99), chegar à multinacional
Sony Music (e, lá, não despertar
empenho imediato por seu CD de
estréia, de 2002), ser dirigida em
show por Nelson Motta, ir à trilha
da novela "Celebridade" com sucesso antigo de Roberto Carlos...
(Detalhe: um desses muitos passos foi pertencer ao mesmo escritório empresarial de Marisa Monte, de Leonardo Netto. Disso ela
parece querer se esquecer, quando se refere à substituição de Netto pela atual Fafá Magna, ex-Gal
Costa. "Não é substituição, ela está sendo empresária", diz, sublinhando o termo "sendo".)
O histórico que entremeia desejo de independência e adesão a
fórmulas e formuladores do sucesso pop culmina no segundo
CD com a produção entregue a
Liminha, midas do estouro do
pop-rock dos anos 80. "Estou numa fase de querer transmitir as
coisas de um modo mais direto, e
ele é muito prático, é o cara certo
para isso", explica a presença de
Liminha, parceiro da também
compositora em cinco faixas.
Ainda sob o signo e sina das
comparações, Vanessa diz que
muito tem sido apontada sua semelhança física com Clara Nunes
(1943-83). "Já diziam isso muito
antes de eu querer cantar. Lembrava muito da imagem dela,
quando morreu eu era muito pequena e não tinha nenhum contato, então achei que era um anjo.
Depois fui conhecer, admirar."
Outro nexo com Clara Nunes é
o do cabelão encaracolado, solto
no mundo, que ela cultiva também nas canções do CD. Diz que
"Joãozinho", faixa que fala de alisamento e que ela compôs aos 18
anos, versa sobre sua tia Rita
("Zé", lá adiante, tributa seu tio
Zé, caminhoneiro). "Minha tia fazia joãozinho, quando começava
garoa ou neblina ela sumia. Eu
nunca fiz, era ousada para minha
cidade. Revolucionei a família,
hoje nem tia Rita alisa o cabelo."
Brincando com o assunto, Vanessa se refere a seus cabelos "de
nuvem ou bombril", em "Essa
Boneca Tem Manual", e reflete
sobre a viagem brasileira das louras lisas às morenas crespas:
"Eu sou miscigenada, uma mistura de portugueses, negros e índios. Sou do Mato Grosso, meio
bugra, adoro essa coisa de nova
raça. Raciocino muito sobre isso,
sobre o que na gente é educação e
o que é repressão, desde casa, infância, Igreja Católica, "não fique
muito assanhada'".
Vai além: "Somos muito escravocratas ainda, com Lula as pessoas vão aos poucos tendo mais
consciência de que a humildade,
muitas vezes, é reflexo de submissão, se é excessiva. Vira humilhação, uma coisa meio escrava".
Ambiciosa feito Marisa Monte,
romântica feito Roberto Carlos,
assanhada feito Clara Nunes, prática feito Liminha, essa boneca
procura seu manual.
(PAS)
Texto Anterior: Saiba mais: Pintor "fundador" tem Fundação em Barcelona Próximo Texto: Disco/Crítica: Artista cresce quando se diferencia de referências inevitáveis Índice
|