São Paulo, sexta-feira, 01 de outubro de 2004

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DISCO/CRÍTICA

Artista cresce quando se diferencia de referências inevitáveis

DA REPORTAGEM LOCAL

"Essa Boneca Tem Manual" começa com "Ainda Lembro", faixa que a gravadora Sony vai explorar e que remete inevitavelmente a Marisa Monte. Tem "nananãs" de rádio, bem tribalistas. É romântica, mas fala de amor bem-sucedido, numa versão ainda mais otimista de "Não Vá Embora" (2000), de Marisa.
As vozes têm traços em comum de que provavelmente Vanessa da Mata nunca se livrará, e nada nisso tem a ver com imitação ou competição -é sina, se é que isso existe. A sensação tribalista voltará em "Música" e "Ai, Ai, Ai..." (nas parcerias com Liminha, quase sempre), que ultrapassam os limites da sina e soam como adequações a fórmulas de sucesso leve e sofisticado, comuns no rádio desde... Marisa Monte.
São onde Vanessa se iguala a Marisa, onde a Sony se iguala à concorrente EMI, onde a indústria fonográfica exibe suas garras de sonsa padronização.
A sorte (ou talento) é que Vanessa não é isso, não é só isso. Seu segundo CD cresce sempre que ela se diferencia, sempre que colore personalidade própria -são vários exemplos, oba.
A faixa-título é o maior, também porque Vanessa afeta uma interpretação exagerada, talvez temerosa de tanta comparação -tem razão em temer, e o exagero soa justificado, perspicaz, ainda mais somado à esperteza confeitada por auto-estima da letra.
O mesmo ocorre no ijexá "Joãozinho", moldada ao eixo Rio-Bahia pelos jovens Domenico Lancellotti, Rodrigo Amarante, Pedro Sá, Donatinho, Berna Ceppas. É algo que Marisa faria, mas não assim, provocando (preconceitos contra cabelos crespos ou alisados ou contra a Bahia formam mote que supera clichês).
Um romantismo desencantado, quase perigoso, é outro elemento de diferenciação -e modula crítica à superficialidade das relações afetivas, o que faz da densa "Ela x Ele na Cidade sem Fim" o momento soberbo do CD.
Ah, as releituras de "Eu Sou Neguinha?" (87), de Caetano Veloso, e de "História de uma Gata" (77), do Chico Buarque de "Os Saltimbancos", são pertinentes e divertidas. Mas Vanessa da Mata é mais legal quando é ela mesma.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


Essa Boneca Tem Manual    
Artista: Vanessa da Mata
Lançamento: Sony
Quanto: R$ 30, em média



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