São Paulo, sábado, 01 de outubro de 2005

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LIVROS

ROMANCE


É reeditada a obra do escritor de origem polonesa que se radicou nos EUA

Kosinksi faz refletir sobre a TV e sociedade de "vidiotas"

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quem se lembra do personagem Chance apenas pela interpretação de Peter Sellers no filme "Muito Além do Jardim" (1979) tem uma ótima oportunidade agora de conhecer sua versão "original" no romance "O Vidiota", de Jerzy Kosinski.
Chance é uma figura reclusa, preocupado apenas em cuidar do jardim da casa em que mora e em assistir à televisão, mudando incessantemente de canal. Alimentado por uma empregada, a única outra pessoa com quem convive além do dono da propriedade, o Velho, são de fato as imagens aleatórias que acompanha dia a dia o único ponto de contato entre ele e o mundo.
O Velho morre e ele pela primeira vez sai dali. Na rua, atropelado, é levado pela sra. Rand, a mulher de um importante executivo, para a casa dela, já com um nome diferente, pois, quando disse que se chamava Chance, o jardineiro (gardener), a anfitriã entendeu que ele dissera Chancey Gardiner: "Chance notou que ela lhe alterara o nome. Assumiu que, como na TV, dali em diante ele deveria usar esse novo nome".
Após uma série de diálogos lacônicos, na maior parte extraídos de conversas de programas de televisão de que ele lembrava e que provocam no casal a impressão de que eles tinham trazido para a própria casa um discreto e influente empresário, Chance é avisado de que o presidente do país estaria na cidade e viria visitar o sr. Rand, preso ali por estar muito doente, e que ele deveria participar do encontro.
No meio da conversa, é questionado sobre a fase complicada que as finanças planetárias atravessavam e diz: "Num jardim há a estação do cultivo. Há a primavera e o verão, mas também o outono e o inverno. E depois, de novo a primavera e o verão. Enquanto as raízes não forem arrancadas, está tudo bem e terminará bem".
A resposta provoca um comentário elogioso do presidente ("o senhor acaba de pronunciar uma das declarações mais animadoras e otimistas que ouvi nos últimos tempos") e uma meteórica ascensão do lento trabalhador.
E aqui se concentra o problema para o comentador do livro, seu ponto cego. É muito fácil, por exemplo, relacioná-lo com uma hipotética estupidificação do discurso cotidiano provocado pelas imagens desconexas impingidas na cabeça de telespectadores que, sem outras opções de lazer, se tornam reféns do veículo, uma multidão de "vidiotas". Trata-se de uma interpretação bem simples, mas que já exige esse esforço de, a partir de um plano (o texto do romance), chegar a outro plano (o impacto da TV na sociedade).
Interpretar, contudo, é exatamente o que faz com que as pessoas que conversam com Chance não percebam que a sua fala não trazia um "sábio" segundo sentido, algo oculto e profundo, e sim era a fala possível e bastante limitada de um homem simples e bastante limitado. Ou seja, a armadilha é que qualquer tentativa de leitura figurada do texto transforma por analogia o leitor em um candidato a "idiota" de outro tipo (o próprio fato de constatar isso, na verdade, já provoca tal efeito): está-se buscando algo além do que a narrativa diz e há sempre o risco desse algo, no final das contas, ser uma grande bobagem. Resistindo ou não à interpretação, só o fato de recolocar em pauta esse dilema já faz este livrinho valer a pena.


Adriano Schwartz é professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP-Leste

O Vidiota
   
Autor: Jerzy Kosinksi
Tradução: Laura Alves e Aurélio Barroso Rebello
Editora: Ediouro
Quanto: R$ 29,90 (108 págs.)


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