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LIVROS
ROMANCE
É reeditada a obra do escritor de origem polonesa que se radicou nos EUA
Kosinksi faz refletir sobre a TV e sociedade de "vidiotas"
ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Quem se lembra do personagem Chance apenas pela interpretação de Peter Sellers no filme "Muito Além do Jardim"
(1979) tem uma ótima oportunidade agora de conhecer sua versão "original" no romance "O Vidiota", de Jerzy Kosinski.
Chance é uma figura reclusa,
preocupado apenas em cuidar do
jardim da casa em que mora e em
assistir à televisão, mudando incessantemente de canal. Alimentado por uma empregada, a única
outra pessoa com quem convive
além do dono da propriedade, o
Velho, são de fato as imagens
aleatórias que acompanha dia a
dia o único ponto de contato entre ele e o mundo.
O Velho morre e ele pela primeira vez sai dali. Na rua, atropelado, é levado pela sra. Rand, a
mulher de um importante executivo, para a casa dela, já com um
nome diferente, pois, quando disse que se chamava Chance, o jardineiro (gardener), a anfitriã entendeu que ele dissera Chancey
Gardiner: "Chance notou que ela
lhe alterara o nome. Assumiu que,
como na TV, dali em diante ele
deveria usar esse novo nome".
Após uma série de diálogos lacônicos, na maior parte extraídos
de conversas de programas de televisão de que ele lembrava e que
provocam no casal a impressão
de que eles tinham trazido para a
própria casa um discreto e influente empresário, Chance é avisado de que o presidente do país
estaria na cidade e viria visitar o
sr. Rand, preso ali por estar muito
doente, e que ele deveria participar do encontro.
No meio da conversa, é questionado sobre a fase complicada que
as finanças planetárias atravessavam e diz: "Num jardim há a estação do cultivo. Há a primavera e o
verão, mas também o outono e o
inverno. E depois, de novo a primavera e o verão. Enquanto as
raízes não forem arrancadas, está
tudo bem e terminará bem".
A resposta provoca um comentário elogioso do presidente ("o
senhor acaba de pronunciar uma
das declarações mais animadoras
e otimistas que ouvi nos últimos
tempos") e uma meteórica ascensão do lento trabalhador.
E aqui se concentra o problema
para o comentador do livro, seu
ponto cego. É muito fácil, por
exemplo, relacioná-lo com uma
hipotética estupidificação do discurso cotidiano provocado pelas
imagens desconexas impingidas
na cabeça de telespectadores que,
sem outras opções de lazer, se tornam reféns do veículo, uma multidão de "vidiotas". Trata-se de
uma interpretação bem simples,
mas que já exige esse esforço de, a
partir de um plano (o texto do romance), chegar a outro plano (o
impacto da TV na sociedade).
Interpretar, contudo, é exatamente o que faz com que as pessoas que conversam com Chance
não percebam que a sua fala não
trazia um "sábio" segundo sentido, algo oculto e profundo, e sim
era a fala possível e bastante limitada de um homem simples e bastante limitado. Ou seja, a armadilha é que qualquer tentativa de leitura figurada do texto transforma
por analogia o leitor em um candidato a "idiota" de outro tipo (o
próprio fato de constatar isso, na
verdade, já provoca tal efeito): está-se buscando algo além do que a
narrativa diz e há sempre o risco
desse algo, no final das contas, ser
uma grande bobagem. Resistindo
ou não à interpretação, só o fato
de recolocar em pauta esse dilema
já faz este livrinho valer a pena.
Adriano Schwartz é professor da Escola
de Artes, Ciências e Humanidades da USP-Leste
O Vidiota
Autor: Jerzy Kosinksi
Tradução: Laura Alves e Aurélio Barroso Rebello
Editora: Ediouro
Quanto: R$ 29,90 (108 págs.)
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