São Paulo, sábado, 01 de outubro de 2005

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DANÇA/CRÍTICA

Espetáculo do Ballet de Santiago mostra vigor e precisão dos bailarinos ao explorar enredo da cigana fatal

Haydée cria talentosa variação para "Carmem"

INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

Toda feita de contrastes, de sombras e luzes, a "Carmem" de Marcia Haydée, para o Ballet de Santiago, alterna quadros trágicos, paródicos e humorísticos de grande expressão dramática. Partindo da dança clássica, Haydée coloca em cena uma realidade dinâmica de forças que definem homens e mulheres especialmente uns com os outros.
Esta "Carmem" estreou em outubro de 2004, com base na história do escritor francês Prosper Merimée (1803-70) e na atmosfera dramática da ópera de Bizet (1838-75), reorquestrada (sem as vozes) por Albena Dobreva.
A história é muito conhecida: nas paixões da cigana fatal, em sua relação com Don José, Haydée nos mostra a liga entre dois seres cujo desejo de liberdade obriga à transgressão das regras sociais. Carmem torna-se "mundana", e Don José, um fora-da-lei.
Os protagonistas de quinta-feira, no Teatro Municipal, Marcela Goicoechea e Luis Ortigoza, dançaram com precisão e vigor. Cada um tem seu acento particular. Salientes e angulosos, ou alternadamente simples, transformam o palco num lugar vivo, conquistando o espaço sem constrangimentos da dificílima técnica. Um dos grandes momentos é o duo do final do Ato 1, logo após Don José matar o soldado, onde cada gesto tem seu lugar e cada expressão ressalta um sentimento.
A música evoca, não literalmente, a Espanha, mas aquela Espanha imaginária que pertence ao acervo da composição francesa (Bizet, Chabrier, Debussy, Ravel).
A trilha reorquestrada cria grandes intensidades e reforça o drama. Por exemplo: nos trechos de José que marcam a sua transformação pessoal, de soldado honesto para insubordinado, levando à deserção e ao assassinato. Assim como marcam também, quase mitopoeticamente, o colorido e a vitalidade de Carmem.
Se a Micaela dançada por Andreza Randisek podia parecer um tanto vacilante e algo imatura, essas são características da personagem. Seus passos são suaves e precisos -e é bom ter em mente que o balé clássico deixa à mostra cada detalhe. Também o toureiro Escamillo (Rodrigo Guzmán) demonstrou um virtuosismo sempre confirmado pelo acabamento preciso dos passos.
O corpo de baile está sempre coeso; e vale ressaltar a difícil cena dos soldados, com um trecho da "Sinfonia em Dó Maior", também de Bizet, incorporada à música original. E a cena da taberna, em que paródia dos garçons bêbados e a conquista da mulher do toureiro ganham na pantomima.
O cenário de Pablo Nuñez -um semicírculo de madeira elevado- é simples, mas eficiente, como os acessórios cênicos. São complementados por projeções, numa tela à frente ou ao fundo do palco, por grades que descem e por recursos como um pano para formar as montanhas, completar o espaço da tourada ou ampliar a tensão da cena da morte, ao final do espetáculo. Os figurinos, também de Nuñez, são ricos de detalhes e cores. E a luz de Alberto Garcia cria zonas próprias, favorecendo a construção das cenas.
"Mais uma Carmem?", poderá perguntar alguém. Já não se tinha Merimée e Bizet, e o filme de Carlos Saura, e o balé de Mats Ek e...? Mais uma, sim, e não é qualquer uma. Em torno à impossível Carmem ideal, gravitam infinitas variações do mito, entre as quais, agora, também a Carmem de Marcia Haydée, exercendo com talento suas paixões.


Carmem
    
Quando: hoje, às 21h, amanhã, às 17h
Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de Azevedo, s/nš, tel. 0/xx/11/222-8698)
Quanto: de R$ 40 a R$ 130 (ingressos: pelo tel. 0/xx/11/6163-5087)


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