São Paulo, domingo, 01 de outubro de 2006

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Dan Stulbach revela suas incertezas

Ator estréia peça "Dúvida", prepara-se para atuar em minissérie de Glória Perez e decide se troca a Globo pela Record

Astro da TV, cinema e teatro exercita seu lado jornalista em programa da CBN e revela uma língua afiada para políticos e até colegas

LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Que certezas a maior parte do público tem hoje a respeito do ator Dan Stulbach? Que ele é corintiano roxo e que ficou famoso na novela "Mulheres Apaixonadas" (2003) com as raquetadas em Helena Ranaldi.
Seria bom deixar as certezas de lado para conhecê-lo melhor. Dan, 37, é do time das dúvidas, são as incertezas que o enriquecem. Filho de judeus poloneses, cresceu sem saber bem se deveria se sentir estrangeiro ou brasileiro, se seria engenheiro, publicitário ou ator.
Optou pelos palcos, e tantas críticas elogiosas pareciam confirmar, tinha feito a escolha certa. Mas o sucesso da TV lhe rendeu um programa de entrevistas na rádio CBN e quebrou sua convicção: talvez queira agora ser também jornalista.
Certamente ele está adorando seu próximo trabalho, a peça "Dúvida", com estréia nesta semana (leia texto nesta página). "A certeza move as pessoas de forma avassaladora, frenética. O fascismo e a ditadura são filhos da certeza; a democracia, a ponderação e o bom senso, da dúvida. A peça tem a ver com o mundo intolerante, dividido, e com a política brasileira", diz.
À Folha, Stulbach confessou suas dúvidas, mas ressaltou muitas certezas, especialmente ao condenar o jantar de artistas em apoio ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao deixar bem claro o que fará hoje nas urnas. Contou ainda que está certa sua participação na minissérie "Amazônia", de Glória Perez, e uma peça para 2007 na qual irá dirigir a atriz Joana Fomm. No campo das incertezas, um convite para trocar a Globo pela Record em abril e o projeto de fazer Hamlet com Paulo Autran. Leia abaixo.

 


DÚVIDAS E CERTEZAS
A peça fala que a certeza é um lugar de descanso e a dúvida, o princípio da mudança. Dá para traçar um paralelo com o Brasil. O autor [norte-americano] pensava na realidade política dos Estados Unidos, no presidente que invadiu o Iraque, na direita que age com uma certeza absoluta perante tudo. Mas o paralelo com o Brasil é evidente: a dúvida "Lula sabia ou não sabia?", a certeza de que o PT era um partido não corrupto, justo, de que seria o melhor para o país. Hoje o governo não sofre das mesmas dúvidas e impõe novas certezas, novos absurdos que são ditos como decretos, como "os fins justificam os meios".

JANTAR DOS ARTISTAS
Pensei que ia perguntar do jantar [de artistas em apoio ao Lula, no qual Paulo Betti deu a polêmica declaração de que não se faz política sem colocar a mão na merda] e fiquei decidindo se deveria dar a minha opinião ou fugir. Uma produtora me ligou e falou: "Dan, você não quer ir ao jantar? Vai ser bom para você." Talvez nem devesse dizer isso, mas é muito pouco sensível [da parte dos artistas] deixar clara a relação do "toma lá dá cá". É muito diferente apoiar um candidato e apoiar um governo, ainda mais quando a Lei Rouanet [incentivo governamental à cultura] é a única maneira de viabilizar patrocínios. Esses artistas, ao vincular a amizade e o apoio a um retorno, foram de uma total insensibilidade com o país, com o avanço da sociedade.

VOTO "SECRETO"
Fiz uma campanha para o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] e por contrato não posso dizer em quem devo votar. O que posso dizer é que adoraria que o Cristovam Buarque [candidato à Presidência pelo PDT] tivesse mais votos para que a educação fosse uma pauta obrigatória a qualquer governo que assuma. E posso dizer também que não votarei em quem sempre votei.

HOLOFOTES
Não tenho essa loucura pela visibilidade, até porque quando se dá entrevista, tem-se a medida exata do que você é, e isso pode ser angustiante. Não tenho essa bobagem de dizer que os jornalistas mudam o que você diz. Isso aconteceu duas vezes comigo, mas não foi nada que possa ressaltar. O que me marca mais é a vontade de responder às perguntas da maneira mais fiel comigo e evitar aquele desejo de parecer alguém melhor do que sou.
Como ator, você aprende muito rápido aquilo que cai bem e esse é o risco. As entrevistas também provocam a ilusão de achar que sua opinião é super importante, que tem que ter opinião sobre tudo.

ATOR X JORNALISTA
Eu me completo com os dois mundos [de ator e jornalista, no programa que apresenta na rádio CBN]. Como ator, vivo num mundo de certa ficção, que tem frases bacanas, como "a arte é uma mentira necessária para que a verdade apareça". Quando elaboro as perguntas aos entrevistados, me sinto mais realista com o que o mundo é hoje. Para mim, é menos omisso.

TOM HANKS
Entrevistar as pessoas é também uma maneira de fugir das perguntas que sempre me fazem. ["Se você se acha parecido com Tom Hanks, por exemplo?"] É, essas idiotices, entre outras, tipo "O que você prefere: teatro, cinema ou televisão?" e "Com quem você está namorando?". Há uma crise no jornalismo, que é de todas as empresas, de usar cada vez gente mais nova, que não tem opinião própria. É um problema dos jornalistas, dos atores, dos políticos, do Brasil. É um país que forma mal as pessoas, então, é natural que os jornalistas façam as mesmas perguntas.

A TV E A FAMA
A TV acaba tendo muita importância para um ator, mas não é, nem deve ser, o centro de sua vida. Já recusei diversos convites para ilhas, castelos, campos de golfe. Qual é a graça de posar com um carro importado num campo de golfe nesse país? Que tipo de retorno isso pode dar que valha a pena? Que tipo de imagem você quer passar? Em que país acha que vive? Não consigo imaginar que isso traga tantos dividendos.

ESTRANHO NO NINHO
Fiquei mais ligado na minha história, na luta do meu avô [na Segunda Guerra, os avós e seu pai, ainda bebê, passaram dois anos escondidos no sótão de uma fábrica na Polônia]. Vivi um certo estrangeirismo, o nome, o fato de sermos judeus. Na minha casa, sempre se falou polonês, tínhamos costumes diferentes, meus pais diziam "os brasileiros".
A minha educação era européia, mais dura. Essa sensação de ser estrangeiro tem a ver com eu ter me tornado ator, me fazia observar as pessoas, imitá-las. Entrei no teatro por vontade de existir, de fazer parte de um grupo.

PÁGINAS DA VIDA 1
Fui preparado para ser engenheiro, como meu pai. Fiz engenharia. Depois entrei na Escola de Artes Dramáticas [EAD] e na Escola Superior de Propaganda & Marketing [ESPM]. Optei pela ESPM e deixei a EAD porque queria profissão séria. Mas quando tinha 20 anos, acabei meio sem querer fazendo a peça "Peer Gynt". Lutei contra, disse ao diretor que não era mais ator.

PÁGINAS DA VIDA 2
Como dizia Proust, "nenhum homem é um mistério a não ser para si mesmo". Para todo mundo, era óbvio que seria um ator, mas queria uma profissão séria [risos]. Na época, minha mãe tinha guardado uma grana para a família ir à Polônia pela primeira vez. Tremia e chorava quando disse ao meu pai que não ia viajar, que ia fazer teatro. Ele só falou: "É isso que quer da sua vida?" É um drama, né? [risos]. Se o Maneco [Manoel Carlos] souber dessa história vai colocar em "Páginas da Vida".

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