São Paulo, segunda-feira, 01 de outubro de 2007

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GUILHERME WISNIK

Megacidade de curto prazo


Continuamos condenados ao imediatismo mesquinho sempre que uma proposta de visão estratégica se anuncia

NA RECENTE inauguração da Cidade da Arquitetura e do Patrimônio, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, declarou a intenção de recolocar a arquitetura no centro das escolhas políticas.
Até aí, nenhuma surpresa, já que a construção de monumentos simbólicos foi o carro-chefe da administração François Mitterrand. Sarkozy, no entanto, fez referência à necessidade de criar um plano global para ordenar o crescimento de Paris nas próximas décadas, baseado em políticas de transporte público e habitação, integrando suas periferias. Ao que parece, o "novo Napoleão", como já é chamado, desnorteia a esquerda francesa canibalizando os seus valores. É que ele sabe muito bem que o crescimento sustentável das grandes cidades está no centro da agenda política contemporânea.
Enquanto isso, no Brasil, os ministérios das Cidades e da Cultura continuam enfraquecidos, e a recém-criada Secretaria de Planejamento de Longo Prazo se dissolve num simples peteleco da bancada peemedebista do Senado, barganhando cargos. Os fatos falam por si: continuamos condenados ao imediatismo mais mesquinho sempre que uma proposta de visão estratégica se anuncia. É o velho costume patrimonialista herdado do Brasil Colônia, reeditado e modernizado.
Por outro lado, a própria idéia de criação da secretaria parece ser também um sintoma do mesmo estigma, ao isolar em uma pasta os projetos de maior alcance. Acaso seriam as questões tratadas pelos outros ministérios, como Planejamento ou Minas e Energia, problemas de curto ou médio prazo?
Não adianta reclamarmos do mau gosto dos especuladores imobiliários que constroem prédios neoclássicos nem de sua avidez por lucro, que determina o crescimento urbano predatório de cidades como São Paulo. É necessário, antes, que as equipes de técnicos-pensadores responsáveis por estabelecer planos coerentes para as cidades (trabalhando nos órgãos públicos de planejamento, transporte e habitação) tenham autonomia de projeto, não ficando atreladas a mandatos políticos e metas imediatistas e "espetaculares". É necessário, também, que órgãos como o Instituto de Arquitetos do Brasil reassumam o papel de defender um planejamento de caráter sistêmico para as metrópoles. Ou será que precisaremos esperar que alguma ONG bem-intencionada venha fazer esse papel?
Em recente entrevista ao "Estado de S. Paulo", o arquiteto mexicano Ricardo Legorreta manifestou opiniões semelhantes. "A arquitetura como benefício coletivo vai se impor", diz ele. E, para justificar o seu otimismo, cita as conquistas da nossa lei Cidade Limpa e os recentes avanços urbanísticos e sociais colombianos. Mas o maior exemplo é Nova York, cidade que tem o metro quadrado mais caro do mundo e, no entanto, não deixa de abrigar o florista, o café, a farmácia ou o mercadinho de bairro, além de configurar os térreos de muitos arranha-céus como galerias públicas.
Portanto a pergunta é inevitável: estaremos condenados a viver em terras arrasadas pelo mau gosto e pela especulação imobiliária?


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