São Paulo, quinta-feira, 01 de outubro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Entrevista

A verdade sobre Tom Waits

Biografia não autorizada desmonta mitos do músico americano Tom Waits e investiga a forte influência da mulher em obras

Associated Press


FERNANDA EZABELLA
DA REPORTAGEM LOCAL

Tom Waits, o mito, turbina a voz com cigarro e uísque, imitando o jeito de falar de um tio que, diziam, tinha na garganta uma tesoura deixada numa operação mal feita. Já Tom Waits, o cara real, danificou a voz tentando domar os fãs ensandecidos de Frank Zappa, que atiravam ovos no palco, nos shows de abertura que ele fazia para o Mothers of Invention, no início dos anos 1970.
A caricatura boêmia, o homem profissional e a voz poderosa se embaralham pelas 600 páginas da biografia não autorizada "Lowside of The Road: A Life Of Tom Waits" (à beira da estrada: uma vida de Tom Waits; cerca de US$ 20 na Amazon.com), do crítico e historiador musical britânico Barney Hoskyns, 50, que aprendeu a gostar de Tom Waits quando jovem, ao passar um verão morando com Nick Cave e seus discos, em Londres.
"Tom Waits é a maior anticelebridade da nossa era, tem uma distinção bem clara entre vida e arte. É um exemplo muito bom, músicos de hoje são estimulados a vender detalhes de suas vidas como parte do trabalho", disse Hoskyns à Folha.
O biógrafo passou dois anos pesquisando e costurando vida e arte do cantor e compositor americano, hoje com 59 anos e cerca de 20 álbuns lançados, incluindo os elogiados "Mule Variations" (99) e "Blue Valentine" (78), além de participações em filmes cult e parcerias com vanguardistas como Bob Wilson e Jim Jarmusch.

A Yoko Ono de Tom
Curioso é saber que Tom Waits, um dos músicos mais enigmáticos do rock, tem a vida dividida entre antes e depois de uma mulher, Kathleen Brennan, mãe de seus três filhos.
Antes estão as referências, Bob Dylan e Jack Kerouac, os empregos esquisitos (lavador de pratos, porteiro de boate) e o famoso cafofo onde morava no hotel Tropicana, em Los Angeles. Depois, bem, depois fica mais difícil saber, já que Kathleen levantou uma barreira ao redor do marido, assustando até mesmo amigos próximos. Isso não assustou o biógrafo, mas o deixa encucado.
"Se tivesse a chance de perguntar alguma coisa hoje para Tom Waits seria por que ele dá tanto poder a Kathleen", diz Hoskyns, rindo -ele entrevistou o músico duas vezes pessoalmente e várias outras por telefone. "Não tenho muita certeza da natureza dessa relação, é como John [Lennon] e Yoko [Ono], tudo de novo."
Os dois se conheceram nos estúdios Zoetrope, de Francis Ford Coppola -ele fazia as músicas para o longa "O Fundo do Coração", ela era editora-assistente. Kathleen, hoje coautora de muitas de suas canções, ajudou o marido a sair da pindaíba e a transformar seu estilo -sumiu o poeta marginal dos bêbados, entrou o excêntrico cool da música alternativa.
De acordo com o livro, foi Kathleen quem abriu os olhos de Waits para as falcatruas que seu agente vinha fazendo. Herb Cohen, que teria embolsado uma dinheirama de Waits e era um de seus melhores amigos, está processando Hoskyns em US$ 1 milhão por causa do livro. A primeira audiência entre Cohen e Hoskyns é dia 5/10.
Das centenas de entrevistas feitas, algumas foram barradas pelo próprio casal, como a do Rolling Stone Keith Richards, fã e parceiro de Waits nos discos "Rain Dogs" (85) e "Bone Machine" (92). Os e-mails de recusa de entrevistas de Richards e outros, alegando que "Kathleen e Tom acharam melhor não", estão no livro.
"Achei que isso [publicar os e-mails] era essencial para entender Tom Waits. As pessoas ficam realmente intimidadas com ele e Kathleen, têm medo deles", disse o autor.
"Mas afinal, por que impedir Keith Richards de dizer que Tom é um gênio?", pergunta. "Talvez seja como disse Bob Dylan: quanto menos você der, mais eles [público] vão querer. Mantenha-os famintos."
Apesar de toda admiração por Waits, Hoskyns sente que o músico chegou numa encruzilhada, há dez anos sem lançar um grande álbum. "Ele virou uma vaca sagrada. Qualquer coisa que faça, as pessoas vão aplaudir de pé por cinco minutos", disse. "Acho que é hora de fazer algo diferente. Se ele for honesto, aposto que está pensando nesse momento "para onde será que devo virar?"."


Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Crítica: A ficção de Nick Cave
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.