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"Estou completamente fora de moda"
Em tempos de download, Maria Bethânia lança CDs de modo tradicional e comenta carreira de cantoras que projetou
Cantora afirma que nunca usou leis de incentivo para seus shows e que tem todos os vestidos que usou em cena guardados na Bahia
MARCUS PRETO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Agora que, além de filiada a
uma gravadora, também é dona
de um selo, o Quitanda, Maria
Bethânia, 63, pegou gosto: só
grava discos aos pares. Esta semana, lança mais dois, de canções inéditas: "Encanteria",
com repertório que, como
"Brasileirinho" (2003), remete
ao interior do Brasil, e "Tua",
focado em canções românticas.
A cantora deu a entrevista a seguir no estúdio carioca em que
ensaia para os shows.
FOLHA - Os seus discos trazem músicas novas de Adriana Calcanhotto
e Vanessa da Mata, duas de suas pupilas. Como analisa a carreira delas?
BETHÂNIA - Estão pipocadíssimas. Adriana sai sempre da rotina, escreve livros. Isso é importante, distancia a gente desse bicho, dessa faca de dois gumes que é o sucesso. Vanessa
mantém o jeitinho dela, ainda
me manda música pra eu cantar em casa. Mas está no momento do furacão. Daqui a um
ano, vamos ver onde é que ela
vai se assustar.
FOLHA - Mais uma vez, você lança
dois CDs simultâneos -e em um
tempo em que os discos não vendem. Por que e para quem?
MARIA BETHÂNIA - Hoje, eu acho
que tudo isso é obsoleto: gravar
disco, dar entrevista. É tudo
muito antigo. Estou completamente fora de moda. Não a minha música. Eu. O meu sentir, o
meu querer, eu fazer essas coisas. Aprendi assim e não quero
desaprender. Vivo para o meu
ofício, ele nunca me incomodou, não me machucou, nem
foi traiçoeiro ou mentiroso.
Sempre quis de mim exatamente isso que faço com ele.
Um casamento que deu certo.
FOLHA - Casamentos mudam muito com o correr dos anos...
BETHÂNIA - Sim. Você vai envelhecendo. Os anos vão passando. A sua voz já está numa outra emissão, o chão do palco
que você pisa é diferente. Tudo
vai andando. Envelhecer é
sempre novidade.
FOLHA - Não é repetição?
BETHÂNIA - Acho uma burrice
achar que é repetição e que as
coisas vão perdendo não sei o
quê. [Envelhecer] é um privilégio. Já imaginou quantas estrelas vão ser descobertas e eu estou viva pra ver? Estar andando no tempo é bênção.
FOLHA - Caetano está numa fase
em que o novo e o velho são confrontados. Você gosta?
BETHÂNIA - Adoro. Caetano está apaixonado de novo pelo
palco e pela música, dizendo as
verdades dele. Ele é bonito assim, nu. Tem erro, tem acerto,
tem bonito, tem feio, tem bom,
tem ruim. Mas Caetano é assim. Gosto de vê-lo completo.
FOLHA - Você mudou sua banda,
ela está menor. Por quê?
BETHÂNIA - Queria mais espaço
para a voz, mais silêncios. E tinha pouco dinheiro.
FOLHA - Você não tem dinheiro?
BETHÂNIA - Eu não tenho nada!
Só o que preciso: onde morar, o
que comer, como ter boa medicina. E posso trabalhar. Com
honra. Acho que isso sim é dignidade. Não é só barriga cheia.
FOLHA - Você nunca usou benefícios de leis de incentivo?
BETHÂNIA - Nunca me meti com
isso. Trabalhei minha vida toda
sem patrocínio nenhum. E, de
repente, não se pode mais trabalhar sem patrocínio. E para
ter patrocínio, a Lei Rouanet
tem que liberar. É uma confusão. Então, não me meto. Digo:
"Tenho tanto do meu dinheirinho pra fazer meu show e não
pode passar disso porque não
tenho de onde tirar".
FOLHA - Faria uma autobiografia?
BETHÂNIA - De jeito nenhum!
Não gosto de nada disso. Trabalho muito em cena e tenho
todos os figurinos desses 45
anos e não posso, por uma
questão religiosa, me desfazer
deles. Estão embalados em
uma casa na Bahia para eu não
ver. Fico apavorada.
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