São Paulo, quarta-feira, 01 de novembro de 2006

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JOÃO PEREIRA COUTINHO

Meus encontros com Churchill


Churchill morreu aos 90 anos, embora tenha sempre acreditado que não passaria dos 46 (como seu pai)


ONTEM JANTEI com Churchill. Não falo de Winston, que Deus o tenha. Falo da neta de Winston, que passou por Lisboa para apresentar livro sobre o avô. O nome é Celia Sandys, o livro é tradução do catálogo oficial do Churchill Museum, de Londres. E Celia Sandys é a cara chapada de Vanessa Redgrave, com o sotaque upper-upper class que a atriz imita como ninguém.
Comento o fato. Celia Sandys sorri e diz que os enganos são recorrentes, sobretudo em Nova York: ela caminha pela rua e dois ou três fãs da atriz, normalmente de idade respeitável, aproximam-se e pedem autógrafo. Ela concede, claro, porque nunca devemos desiludir o público.
E Winston? Quando Churchill morreu, a 24 de Janeiro de 1965, Celia contava 21 anos. Toda a gente esperava a morte naquele dia, a começar pelo próprio Churchill: a 24 de Janeiro de 1895, morrera também Randolph Churchill, pai de Winston e bisavô de Celia. A sombra do pai sempre se abateu sobre a vida do filho: a possibilidade de morrer precocemente; de falhar na arena política; de ser lembrado como reacionário, imperialista e romântico.
Churchill morreu aos 90, apesar de sempre ter acreditado que não passaria dos 46 (como o pai). Churchill não falhou politicamente, apesar do desastre militar de Gallipoli, na Primeira Guerra, e dos "anos negros" da década de 30 (ao contrário do pai, politicamente liquidado antes dos 40). Mas Churchill acertou no dia. Morreu 70 anos depois do pai. Quase ao minuto.
Celia Sandys conta essas histórias. E conta outras: o gosto pelo famoso charuto, que remonta à passagem de Churchill por Cuba, em 1895, quando a guerra entre indígenas e espanhóis estava acesa (tinha 21 anos); os atos de bravura física, e não apenas moral, na Índia e na África do Sul, em plena Guerra dos Boers, onde foi feito prisioneiro e, das masmorras, montou fuga espetacular (tinha 25 anos e era já uma celebridade jornalística); a forma um pouco lunática como enfrentava os gastos crescentes (através da publicação de artigos ou livros); o amor pelo champanhe, rigorosamente Pol Roger ("Na vitória, eu mereço-o; na derrota, eu preciso dele"); e a necessidade do avô em ter filhos e netos à sua volta, necessidade que se explica por uma infância solitária, com pai ausente e mãe distante. A imagem colide com o velho "buldogue" que enfrentou Hitler a partir de 1940?
Celia concorda. Mas a imagem não deve esconder a natureza afetiva, e tantas vezes frágil, de um homem que podia ser um "buldogue", mas que recorrentemente era também visitado pelo "black dog".
E, a propósito de cachorros, Celia conta uma história final: quando, aos seis ou sete anos, o avô lhe entregou de presente uma oferta que recebera. Um "buldogue" de pelúcia, que despertou na neta uma inquietação genuína: por que um "buldogue"? A mãe, Diana Churchill, explicou: durante a Segunda Guerra, o avô ficara conhecido assim. No dia seguinte, de volta à escola, a pergunta inevitável aos amigos da turma: "O meu avô é um buldogue. Que tipo de cachorro é seu avô?" Na comparação com Churchill, desconfio que somos todos caniches de salão.


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