São Paulo, quinta-feira, 01 de novembro de 2007

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NINA HORTA

Comendo como qualquer mortal


Salvei a brigada de levantar às três da manhã e desmitifiquei o café dos executivos

MUITAS PROMOTORAS nos telefonam pedindo um café da manhã para executivos. Tento convencê-las a não fazer pelo seguinte motivo: estou certa de que o mundo é dividido em pessoas que tomam café da manhã e aquelas que não tomam.
As que tomam não saem de casa sem um cafezinho e uma torrada, pelo menos. Logo, chegarão à festa com o café tomado. Outras não têm a menor fome de manhã. Nenhuma. E não vão ter às nove da manhã, quando serão servidos os sucos e os sanduichinhos.
Dirão vocês que o problema talvez seja meu, porque, para preparar um café às nove da manhã, os empregados saem de casa às 3h para chegarem ao lugar onde será servido o breakfast às 7h.
Cá por mim, detesto acordar cedo demais e considero o despertador o meu maior inimigo. Defendo os outros o que posso desta infâmia.
Lembro-me da secretária de um amigo que foi designada pelo patrão a fazer um café da manhã por semana, lá no fim do mundo. E era pouca gente. O patrão era o Leão Serva, que nem sabe disso. E ela, Ângela, a menina medrosa.
- Ângela, eu não posso ir aí, neste cafundó, fazer um café da manhã para sete pessoas. Prefiro te ensinar a fazer um café.
- De jeito nenhum, a senhora não imagina, são executivos importantes, nem moorta...
- Ângela, o que você come quando se levanta?
- Ah, eu sou de uma família simples. Como um pedaço de pão com manteiga e queijo, um café com leite e um pedaço de mamão.
- E o que você imagina que estas grandes figuras comam?
Eu ainda por cima não tinha dúvidas, pois o Leão, pelo menos enquanto menino, comia muito lá em casa e era o que vinha à mesa, sem frescura e com muito apetite.
- Ah, não sei... Sei lá...
- Pois Ângela, quase todos os brasileiros comem a mesma coisa de manhã. Tem padaria aí perto?
- Tem. É uma padaria e tanto, o bairro inteiro vem tomar café aqui.
- Então, para começar, encomende os pães que você acha melhores. Manteiga salgada e sem sal, queijo de Minas e um queijo prato, aqueles queijos fortes não são muito gostosos pela manhã.
Vi que ela estava se tornando mais confiante com a idéia de que o Leão e os amigos comiam de manhã como os demais mortais. Chegamos a umas frutas básicas, que não dessem trabalho para comer, alguma novidade muito interessante que ela achasse na padaria e pronto! Estava resolvida a questão, e o Serva não pagaria a viagem de um bufê até o Tatuapé, se não me engano.
Mais tarde, a Ângela telefonou, trêmula de sucesso, tinha arrasado, comeram tudo e foram para a primeira reunião de bom humor.
Todo mês me telefonava pedindo uma ou outra sugestão sobre louça, talher, guardanapo. Passou para o café expresso, com uma jarrinha de leite ao lado, começou a fazer sanduíches pequenos de pão de miga com presunto e queijo, inovou nos sucos, fazia ovos mexidos na frente deles, numa espiriteira, e os servia bem moles, com o pão bem quentinho.
Fiquei uns tempos sem ouvir falar dela, quando um dia telefonou, dando risada de si mesma.
- Ah, dona Nina, a senhora nem sabe quanto é que me desenvolvi. Já fiz até café da manhã árabe para eles!
Não quis me aprofundar na questão, feliz com o sucesso da aluna e temendo que ela já estivesse saindo dos conformes. Só sei que salvei a brigada de levantar às três da manhã, desmitifiquei o café da manhã dos executivos, sabendo que aqui no Sul é a refeição mais democrática que pode haver, e enfiei a cabeça debaixo do travesseiro, com o maior gosto, enquanto a secretária penava nas madrugadas. Felizes da vida, nós duas.

ninahorta@uol.com.br


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